Parece-me que a Quaresma é uma boa altura para se falar do sacramento da reconciliação.
O título deste artigo tem tanto de provocador como de verdade. Confesso regularmente e, pela minha experiência, assim como pelas minhas conversas, concluo, embora sem rigor científico, que o sacramento da confissão está em franca decadência. Atrever-me-ia a dizer que a faixa etária dos 20 aos 55 anos recorre muitíssimo menos à confissão do que, ponhamos, há 30 anos.
O argumento que encontro mais disseminado em prol da abstinência de confissão na vida cristã é este: confesso-me directamente a Deus. Este argumento, que já ouvi dos dois lados do Atlântico, descura completamente a realidade da confissão como sacramento, como sinal da presença de Deus na acção do perdão e renovação espiritual. Mas as pessoas que o usam não sentem essa realidade especial e algumas sentem-se inseguras perante o padre, que olham sempre como um homem normal. Não sei como as fazer sentir o sacramento. Há certas coisas que só se sentem experimentando e que certas experiências negativas afastam definitivamente, e as pessoas também se afastam definitivamente. (Não somos fruto exclusivo das circunstâncias.) Além disso, não sei bem o que é que este confesso-me directamente quer dizer. Será que as pessoas têm momentos próprios de introspecção em que revêem a sua vida frente a Deus?
Outras pessoas, embora reconheçam o valor da confissão, não se confessam por inércia, por falta de interesse, por falta de hábito ou por hábito de não se confessarem. É mais a essas que este artigo se dirige. Quero falar um pouco de como entendo a confissão fazer sentido.
O normal das confissões, e acho que é a experiência da maioria das pessoas, é a pessoa chegar, dizer os seus pecados, receber a penitência, a absolvição, e ir-se embora. Ora, este tipo de confissão não se adequa a pessoas que querem pensar por si próprias. Essas pessoas pensam: para isso, não vale a pena ou não pensam nada especificamente mas deixam de se ir confessar. Ou então pensam que é uma coisa absolutamente retrógrada, com o seu quê de humilhante: ir confessar as falhas a um homem que está ali a representar Deus, quando a pessoa tem um canal directo para Deus. E aqui é importante falar do contexto que torna a confissão importante: o contexto do progresso espiritual.
A confissão é um sacramento instrumental para o progresso espiritual do cristão. Alguns cristãos têm um director espiritual, uma figura parecida ao ‘personnal trainer’ do ginásio, ou um padre amigo. Este director espiritual ou padre amigo é uma pessoa com quem vão partilhando a caminhada que estão a fazer, com quem vão partilhando dificuldades, alegrias e tristezas. Supostamente, estas conversas vão ajudando a pessoa a progredir. E progredir em quê? Aqui é que entra a vontade das pessoas em se esclarecerem, se desenvolverem, e do sacerdote (noutros países, uma pessoa com formação apropriada) em ajudar.
E em que é que se poderia progredir?, pergunta o leitor desejoso de evolução rápida. Primeiro, ajudar a ter um método: ajudar a progredir por objectivos e de uma maneira que se adapte à pessoa. Em meter Deus na nossa vida. Entrosar Deus com a nossa vida. Aqui está um campo imenso de progresso. Muitas vezes só vemos Deus na nossa vida para pedir. Em progredir nas nossas lutas. Há coisas pequenas que parecem ao nosso alcance e outras que parecem impossíveis. Há que perceber quando é que umas e outras são possíveis e impossíveis. Ajudar a ter uma noção de pecado. Às vezes, a noção de pecado que a pessoa tem é uma noção que lhe veio de criança, ficou arreigada e nunca progrediu. E também em ajudar a pessoa a ter noção do que é que pode ser pecado. Por exemplo, a omissão. Em progredir na oração. Muitas pessoas não conhecem as potencialidades da oração.
A falta de progresso nestas coisas (e outras) é pecado? Pode ser pecado por omissão. Mas também não convém ficarmos neuróticos e começar a ver pecados em tudo quanto é canto. Mas, se quisermos, vejamos pecado como matéria de progressão. Para além de matéria que ofende a Deus, mas não vou entrar por aí. (Eu acho que mais que ofendido, Deus fica triste com a nossa falta de esforço, porque o nosso esforço nos adentra na felicidade).
O campo da omissão é um campo imenso de que, muitas vezes, a pessoa nem se dá conta. Quem são as pessoas que estão despertas para a importância da ecologia? Quem são as pessoas que, por exemplo, se confessam de tratar os animais mal ou bem demais? Quem são as pessoas que se confessam de não reciclar? Que pessoas se confessam de não progredir na relação com o superior hierárquico? (Ou que percebem que não é possível progressão. O que interessa é gerir cristãmente a relação e não a deixar ao Deus dará). Estas questões não podem ser abordadas naquele tipo de confissões em que há 5, 10 ou 15 pessoas atrás de nós.
Então, a direcção espiritual pode dar-nos uma consciência mais apurada das nossas imperfeições e na confissão temos um instrumento em que nos é transmitida a graça do perdão de Deus, com o que ela tem de regenerador. Agora, isto é muito difícil de passar a quem tem uma fé pouco trabalhada.
No entanto, o progresso das pessoas vai-se fazendo ouvindo daqui, ouvindo dali, com um empurrãozinho do Espírito Santo aqui, outro ali, e lá se vão desenvolvendo, e espero que este artigo seja mais uma achega, clara e simples. O que pretendi dizer foi que me parece que hoje em dia, nas sociedades ocidentais, a confissão deve ser entendida no contexto mais vasto da caminhada espiritual, sob pena de as pessoas não lhe encontrarem sentido.
Gonçalo Miller Guerra, sj