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As contradições do mundo

Os primeiros dias de Janeiro foram marcados, no mundo que nos rodeia, por acontecimentos contraditórios, aberrantes, que nos deviam fazer pensar. Os crimes cometidos em Paris e noutros locais da França devem ser condenados com audácia e energia, mas sem violência. O mundo, porém, parece esquecer tantos outros crimes em tantos países, tantos raptos, tanta venda de pessoas, tanto sangue derramado, tantos náufragos no Mediterrâneo, que se tem tornado um cemitério de pobres, de explorados por pessoas criminosas. Parece que ninguém ousa falar deles, defendê-los. Que eu saiba, nunca houve manifestação nenhuma a defender essas vítimas espalhadas pelo mundo.

Parece que os slogans da manifestação em Paris e noutras cidades esqueceram que a liberdade de uns não pode atentar contra a liberdade de outros. A dos primeiros, que fazem as caricaturas, tem que terminar sempre onde começa a dos outros, pois a liberdade religiosa, quer de muçulmanos, quer de judeus, quer de hindus, quer de budistas, quer de católicos, se não violenta a liberdade de outros, deve ser respeitada com dignidade. E não tem sido assim. Buda, Maomé, Cristo e os seguidores das várias religiões têm direito a ser respeitados. A liberdade de uns só pode ir até onde começa a liberdade de outros.

Dá que pensar que gente que se diz cristã, que vai à igreja, que participa em actos piedosos continue a mentir, a roubar, a cometer fraudes, a enriquecer à custa de uma diabólica corrupção. A maldade, unida à ignorância, gera desvios sérios a nível moral, em comportamentos éticos. O egoísmo desenfreado e o culto do dinheiro, tantas vezes endeusado, geram ganância doentia que nem a cadeia cura ou resolve. Todos nos damos conta que se a violência gera violência, a corrupção económica causa estragos imensos naqueles que não têm nada, que são explorados até serem excluídos e tratados como «sobras» para deitar fora.

Mas o nosso querido Papa Francisco não se cala, é veemente nas palavras, mas sobretudo é um exemplo de vida e de virtude em seus gestos, seus comportamentos, seus telefonemas, como fez há dias para uma doente da Argentina internada no Hospital de Leiria. Não se fica em discursos, em homilias bonitas, embora sólidas e com doutrina. Vai mais longe, vai muito longe na sua oração e na sua caridade, na sua humildade e na sua simpatia, nos gestos de unidade e ecumenismo, nos diálogos com políticos, no socorro aos pobres, nos apelos à conversão de mentalidades e comportamentos, como fez no discurso perto do Natal, em que apontou quinze doenças que, na Cúria Romana e na Igreja universal, chegando a cada um de nós, precisam de ser examinadas e curadas.

E lá foi ao Extremo Oriente, numa viagem longa e difícil, com perigos, visitar pastoralmente o Sri Lanka e as Filipinas. Fala com o coração e toca o interior de todos. Um articulista dizia que ele não é só o Papa da Igreja, mas o Papa do mundo, pelo seu impacto e pela sua maneira de estar, de se impor pelo serviço dedicado e humilde, pelos esforços em favor da paz e dos pobres. Os políticos de todos os quadrantes têm que aprender com este Mestre de humanidade, de justiça, de partilha, de defesa dos direitos humanos, de coração apaixonado por Deus e pelo mundo. E grita-nos: «não ao individualismo», «não ao pessimismo estéril», «não ao culto do dinheiro», «não à corrupção que escraviza». Sim à vida, ao amor, à partilha, à liberdade de todos e não só de alguns.

Quem se manifesta e acode às jovens raptadas na Nigéria para serem exploradas sexualmente, vendidas, maltratadas? Quem se manifesta e acode aos estudantes no México que foram mortos, espezinhados, triturados? Quem acode a tantos milhões de pessoas que morrem por dia, vítimas da fome, da violência, da guerra? Quem acode e protesta pela proliferação da droga, pelo enriquecimento dos que a vendem e a destruição dos que a consomem? Quem se manifesta contra a perseguição da Igreja, dos cristãos que continuam a não poder ter e usar a liberdade religiosa, são presos e condenados à morte, simplesmente porque são cristãos?

 

Dário Pedroso, sj

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