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Um casamento em marcha: (achas para uma fogueira)

O casal já se pode preparar de um modo natural para enfrentar o choque da casa sem filhos, o síndrome da casa vazia.

Para quem a faz, a cerimónia religiosa das bodas de prata é um reavivar da chama do casamento. A data é uma altura para se olhar ao mesmo tempo para trás e para a frente, para o que há-de vir e para o que já foi. E a festa dá para perceber bem o verdadeiro lugar do casal na família. É uma festa de família, sim, mas ancorada no marido e na mulher. (Não é a festa de 25 anos de Pai e 25 de Mãe, por muito unidos que os filhos estejam aos pais.)

Passados 25 anos, já se pode perceber bem o impacto da relação do casal na vida familiar, na vida dos filhos. Se os dois não foram felizes, a família também não o foi, ou pelo menos foi menos feliz. Se os dois foram felizes, mais feliz foi a família. Com dificuldades, com certeza, mas se o núcleo da família esteve sempre forte e unido é muito mais provável que o conjunto da família também tenha saído forte e unido.

O casal já se conhece há 25 anos; está, pois, muito mais preparado para se amar. Além disso, o crescimento dos filhos já lhes oferece outras condições de relacionamento. Há então que pôr a render toda a sabedoria, todo o sentimento, todo o afecto que acumularam ao longo dos anos.

Em 25 anos, conseguiram perceber uma coisa aparentemente simples mas de facto muito complicada: é que psicologicamente o homem e a mulher são ainda mais diferentes do que fisicamente. Já não dizem ou dizem muito menos vezes: “mas porque é que ele não é capaz de fazer o mesmo que eu sou?”; “mas porque é que esta niquice é tão grave para ela?”.

No fundo, já nenhum quer que o outro reaja com EU reajo.

Já perceberam que muitas coisas não são má vontade. São incapacidade pura. Vejamos este exemplo:

Fim de uma festa. A mesa cheia de louça suja. O marido pergunta: “O que é que queres que faça?”. Ela amua, diz que não quer nada, porque ele devia ser capaz de olhar para a mesa e saber que os pratos sujos vão para a cozinha. (Ora, ao fim de 25 anos este tipo de coisas já está limado. Ela já percebeu que, para ele, levar os pratos sujos para a cozinha implica saber: os pratos levam-se empilhados ou 1 a 1?; o que é que se faz ao que está dentro dos pratos?; onde é que se põem os pratos?; onde é que se põem os talheres?)

E já fica toda derretida porque ele, ao fim de umas quantas vezes, aprendeu a ajudar e até a fazer tudo sozinho, quando a mãezinha dele não o obrigava a ajudar em casa.

Já perceberam que têm ritmos diferentes. Ela já percebeu que ele não consegue levar com as novidades todas do dia logo que chega a casa e ele percebeu que ela não se lembra de nada do que ele lhe diz quando ela acorda. Já perceberam que não é má vontade. É só serem diferentes.

Ao fim de 25 anos, ela também já deixou de tentar que ele ponha a roupa suja no cesto. Já deixou de dizer: eu não sou tua criada. De cada vez que lhe arruma a roupa suja pensa, “pois é, mas quando eu chego a casa tarde nunca me faz um interrogatório como eu lhe faço a ele.”

Já aprenderam a dar a volta a muitas situações. Por exemplo, já aprenderam quando é melhor deixá-lo em paz em vez de o bombardear com perguntas, tipo: “mas o que é que tens?”, “mas diz-me o que é que se passa.”

Também já perceberam que uma cara rabugenta pode não ser uma agressão mas um pedido de ternura.

Um dia, uma senhora queixou-se-me que ultimamente o marido chegava a casa muito mal disposto. Eu não perguntei como é que a senhora reagia, mas, pelo teor da queixa, deduzi que não devia estar a reagir muito bem. Disse à senhora: “Olhe, quando ele chegar a casa abrace-o. Se ele vem maçado do trabalho e a senhora se zanga com ele porque não tem que aturar aquela cara rabugenta, só piora as coisas. Se quando ele chegar maçado a senhora o acarinhar, talvez ele fique mais bem disposto, que no fundo é o que a senhora quer.” Daí a algum tempo, perguntei à dita senhora se tinha dado resultado. A senhora corou muito…

Já aprenderam que os dois precisam de pequenas e de grandes atenções e quais são elas. (Agora, com os filhos crescidos, há muito mais tempo para o tempo de qualidade.) Tempo para: saírem só os dois, para irem jantar fora ou para aproveitarem alguns dias de férias, etc.

No fundo, para se amarem têm que querer construir um amor sólido, fazer uma fogueira para a qual deitam achas regularmente.

 

Gonçalo Miller Guerra, sj

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