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Ler a Escritura

As Escrituras surgem, diante de nós, como a possibilidade de um abrigo, de um refúgio, de um porto seguro em tempos ou períodos de angústia e sofrimento. Já os antigos Padres sugeriam que uma frase bíblica – uma formula, em latim – nos acompanhasse ao longo do dia, em repetição interior, como linha ou marca de orientação no seio das dúvidas, distrações e obstáculos.

É num destes períodos que surge, na abertura das Escrituras, o seguinte texto de Paulo:

«Estou convencido de que os sofrimentos do tempo presente não têm comparação com a glória que há de revelar-se em nós. Pois até a criação se encontra em expectativa ansiosa, aguardando a revelação dos filhos de Deus» (Rom 8, 18-19).

Não se trata de retirar do texto uma mensagem, uma interpretação ou um ensinamento a transmitir a outros. Nem se trata de fazer uma análise da própria vida, um exame de consciência. Tudo consiste, apenas, na delicada e difícil arte de ler e de escutar, silenciando os pensamentos e as preocupações.

E a fórmula brotou: «a glória que há de revelar-se em nós». Não será uma glória revelada para nós, fora de nós ou diante de nós. Não. O Apóstolo partilha, com os leitores da sua epístola, uma confiança inaudita: «há de revelar-se em nós». Em nós. No nosso corpo. Na nossa história. Nas dobras e interstícios da nossa vida, da nossa família, do nosso perdoar e pedir perdão, dos nossos trabalhos, do cuidado daqueles que nos são confiados, dos projetos que docemente nos embalam ou do vazio rotineiro da sua ausência, da arte que contemplamos e do tempo perdido que buscamos.

Sim, em tudo isso, se revelará uma glória. E uma glória desproporcional, divina e filial, a glória de um Espírito que em nós clama e faz clamar Abbá, ó Pai! Um clamor que recitamos e que escutamos. Um clamor suave, uma esperança, ensinada por uma presença e uma voz maternais.

E não foi a um grupo especial ou reservado, fechado num claustro ou numa faculdade, que Paulo escreveu a sua carta; Paulo escreveu «a todos os amados de Deus que estão em Roma, chamados a ser santos» (Rom 1, 7), soldados e comerciantes, escravos e senhores, mães e filhas. É a todos estes que se dirigem estas palavras, inspiradas e inspiradoras.

 

Texto: Rui Pedro Vasconcelos

Imagem: Jean-Baptiste Greuze, La lecture de la Bible (1755), museu do Louvre.

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