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Fundamentalismos de (Não) Trazer por Casa

Vivemos num tempo em que vicejam fundamentalismos de diversos tipos. Fundamentalismos étnicos, políticos, ideológicos, religiosos. Guerras e terrorismos, perseguições e martírios são promovidos por ódios que não aceitam a diferença de identidade, de pensar e de agir.

É uma virtude ter convicções próprias, mas sempre enraizadas no amor e sempre dando aos outros a possibilidade de viverem em liberdade. Acreditar em princípios morais, ideológicos ou religiosos não pode ser uma arma de arremesso contra os que não pensam e agem da mesma maneira. A segurança de afirmar um código ético ou religioso não pode ser ocasião de acusar e perseguir quem tem outro modo de ver o mundo e de julgar as realidades que nos cercam. Ser diferente não é ser inimigo. Deverá ser até o enriquecimento de todos pela complementaridade mútua.

No palco das relações internacionais assistimos à tentação, com ameaças e até com ações práticas, de responder a fundamentalismos políticos, algumas vezes com substrato religioso, com fundamentalismos bélicos. Prefere-se optar pelas razões da força, em vez de seguir a força da razão. Combater um maléfico fundamentalismo com um fundamentalismo que se julga bom só poderá ter por fruto uma sociedade, um mundo que vai de mal a pior.

Mas onde desejo chegar não é à política internacional. É antes à política doméstica, às relações comuns na vida de família, de convivência social e de trabalho. É sobre os fundamentalismos de trazer por casa, da vida quotidiana, sem o aparato bélico de abomináveis criminosos e de bombas assassinas. Nas atitudes da vida simples do dia a dia, estão as raízes dos problemas ou das soluções dos conflitos de grande dimensão. Comparemos as 24 horas de um dia de Francisco de Assis ou da Madre Teresa de Calcutá com as de uma jornada de Hitler ou Estaline. No primeiro caso temos a amabilidade cordial, o serviço simples, a pureza de afetos, a fraternidade universal. No segundo caso, deparamos com egoísmos gigantescos, vontade de domínio sem fronteiras, endeusamento do próprio poder que tudo esmaga.

Para combater fundamentalismos domésticos, da vida quotidiana, proponho o exercício de duas virtudes: a tolerância e o perdão.

A tolerância é uma atitude de respeito pela identidade pessoal de cada um, em todos os campos, desde o social ao político, desde o desportivo ao religioso. Ser tolerante é saber aceitar a diferença dos outros, até porque eles têm de fazer a mesma ginástica de compreensão connosco. Saber discordar num clima de paz e respeito é das artes mais belas, sem criar classes que se excluem: os vencedores contra os vencidos, os que têm razão contra os adeptos do erro. Ser tolerante é renunciar a ser o dono da verdade absoluta colocando os outros no banco dos réus do erro e da mentira, pretendendo substituir a Deus, que só Ele é a verdade plena e tem sempre razão por inteiro, porque é amor total. Importa fazer sempre campanha pela «intolerância zero», em favor da compreensão universal, da fraternidade sem fronteiras.

Para ultrapassar os fundamentalismos da vida comum quotidiana, é fundamental exercitar a arte do perdão. Perdoar é o verbo mais difícil de conjugar na gramática das relações humanas. Mas também é o verbo mais heroicamente belo. A obra-prima do amor é o perdão. Como diz um autor moderno, «o perdão é o dom perfeito: nele brilha a liberdade do amor» (François Varillon). Vingar-se do mal recebido pode parecer uma resposta à altura, corajosa e destemida. Mas não é verdade. Vingar-se é permitir deixar-se derrotar pela máquina do ódio, que não tem travões nem volante. Assim S. Paulo nos exorta: «Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem» (Rom 12, 21). É a maravilhosa vingança cristã: oferecer misericórdia. Como Deus sempre faz connosco. Como devemos sempre fazer com todos.

 

Manuel Morujão, sj

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