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A Igreja mudou o seu centro

Terminou há poucos dias a cimeira convocada pelo Papa Francisco com os Presidentes das Conferências Episcopais de todo o mundo, representantes dos Superiores Gerais das Ordens Religiosas e membros da Cúria Romana. Este encontro representou um dos pontos máximos no caminho que a Igreja tem vindo a fazer em relação à erradicação no seu seio do crime do abuso de menores e crianças por parte de clérigos e pessoas consagradas, assim como os procedimentos de encobrimento destas situações que destruíram e destroem irreparavelmente a vida de tantas vítimas. Deste encontro saíram normativas e não apenas orientações. No seu discurso final, o Papa Francisco sintetizou em 8 pontos o caminho que agora se impõe a toda a Igreja e a obrigatoriedade de o levar a cabo.

De todas as intervenções realizadas, aquelas que, sem dúvida, definiram o centro desta cimeira foram as vozes das vítimas, os seus testemunhos, quer na aula da reunião, quer em vários locais à volta do Vaticano, no decorrer deste encontro. Ouvir estas histórias causa um profundo abalo, vergonha e tristeza. A voz da vítima é o clamor do pobre que brada aos céus, doendo ainda mais o facto de, em muitos casos, não ter sido ouvida, compreendida e acolhida por parte das estruturas da Igreja em que um dia confiou.

A voz da vítima ocupou, definitivamente, o centro da vida e do coração da Igreja, e não a sua estrutura, não a defesa do seu estatuto, nem a segurança das suas regras. Nestes dias, a Instituição perdeu o seu lugar, como tem que o perder sempre que o pobre, o mais pequeno vem ao seu encontro e lhe fala da sua dor. Não pode ser de outra forma.

O pobre é o centro do Evangelho e a Igreja, movida pelo Espírito Santo através dos tempos, nos exemplos de tantos homens e mulheres que encarnaram o rosto da misericórdia de Deus e da sua justiça, renovou nestes dias a absoluta preferência pelos mais pequenos e frágeis, especialmente as vítimas dos abusos.

Para além desta “revolução” do centro da Igreja, devemos também cair na conta de como este processo se apresenta como um exemplo para a sociedade e para as suas instituições políticas e sociais, de modo a erradicar todas as formas de violência e abuso de crianças e menores, no seio das famílias, instituições de ensino e nos âmbitos que permitem, explicita ou implicitamente, estes crimes, apontados pelo Papa: a pornografia, as crianças soldados, o turismo sexual, a inconsequência na justiça para com os abusadores, entre outros.

Para cada um de nós, no fim deste encontro, fica este apelo que não se pode ignorar: o clamor do pobre, da vítima, nunca poderá deixar-nos ficar passivos e indiferentes, deverá mover-nos continuamente à conversão. Não fazer nada é pactuar com o demónio que procura destruir tudo à sua volta.

 

P. António Valério, sj

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