fbpx

Os meus primeiros Exercícios Espirituais

Escrever sobre a minha experiência de Exercícios implicou reabrir as páginas do meu coração, reler as linhas das moções vividas, relembrar em cada sorriso conversas silenciosas com a natureza.

Escrever sobre a minha experiência de Exercícios obrigou-me a parar, a contemplá-los como se fosse a primeira vez, pondo em surdina os meses que separam a experiência da escrita e procurando a voz por trás do meu próprio eco.

Reviver este “je ne sais quoi” que me levou aos Exercícios, a dicotomia de um corpo relaxado e coração agitado, a batida mais lenta do tempo. Reviver o poder do despojamento, o reencontro com Deus, a leveza do ser.

Saí de Lisboa atrasada, irritada ao ter deixado coisas por fazer, cansada depois de uma semana de trabalho, intimidada por me estar a deslocar. Tinha, como companheiros de viagem, uma chuva torrencial e o rádio encravado dos meus pensamentos que repetia uma única e derradeira pergunta: “Porquê?”.

Mal sabia que, ao entrar na A1, estava a libertar-me de uma rotina mecânica criada para me sentir segura e produtiva. Mal sabia que, ao entrar no IC2, estava a aceitar a “inutilidade” de passar três dias em silêncio com uma Bíblia, um caderno e uma caneta. Mal sabia que, ao entrar em Cernache, estava a baixar a guarda e a entregar as rédeas da minha oração ao Senhor.

De acumuladora a colecionadora

Ao som do meu silêncio, a banalidade tornou-se solene. Servir-se de café, trincar uma torrada, passear pelo jardim… Com a gravidade de quem se sente observado, senti a necessidade de contemplar, de ampliar o meu olhar, de desvendar cada canto e recanto.

Foi nesta capacidade de contemplação, neste ampliar de olhar e neste desvendar de cada canto e recanto que voltei a dar a devida importância à vida.

“Como um colecionador curioso e disponível… a apreciar cada detalhe da peça que tem diante de si. Por ser bela, nada mais”(1).

Do fatalismo à Esperança

Tenho 26 anos e destes 26 anos, 8 foram de profundo afastamento de Deus e da Igreja. 8 anos sinuosos de “e se(s)” e “porquê(s)?”, a navegar pelo mar das minhas dúvidas, a naufragar na minha revolta, a afogar-me na minha incompreensão, acabando por encalhar na minha passividade.

O Padre Miguel Pedro Melo, sj ajudou a transformar a minha “balsa de Medusa”(2) em pequena galeota, o meu fatalismo em Esperança. Ao longo destes três dias de Exercícios, redescobri-me criatura amada. (Re)nasci em Deus. No seu olhar. Na sua paciência. No seu amor. E na sua misericórdia.

(Re)nasci na catarse de muitas lágrimas, na attirance do meu coração adormecido, na saudade que sentia sem saber.

De conhecer o mundo a encontrar-se na fé

“Quem pensa que só nascemos uma vez, engana-se”(3). A vida é feita de renascimentos, de ciclos, de regressos ao ponto de partida com um olhar novo e leves de bagagens demasiado pesadas.

Chegámos todos a Cernache com as nossas consolações e desolações, feitos de memórias, preconceitos e convicções. Partindo de pontos diferentes, caminhámos de mãos dadas, pelos Exercícios, no aconchego do descanso, na proximidade da partilha, no reconforto da fé. De ponto a ponto, ao ritmo lento do silêncio, fomos peregrinos da nossa fé.

Abandonando-se n’Ele. Descansando n’Ele. Regressando a casa com Ele, com respostas ou, pelo menos, melhores perguntas.

Termino a minha partilha com um excerto do poema de T. S. Eliot (indicado pelo Padre Miguel Pedro Melo, sj e pelo Domingos Perloiro, sj) que transmite o meu reencontro com Deus, no silêncio, entre duas ondas do mar:

“We shall not cease from exploration
And the end of all our exploring
Will be to arrive where we started
And know the place for the first time
[…] At the source of the longest river
The voice of the hidden waterfall
Not known, because not looked for
But heard, half-heard, in the stillness
Between two waves of the sea”.

T. S. Eliot, from “Little Gidding”, in Four Quartets

“Não cessaremos de explorar
E o fim de toda a nossa exploração
Será chegar ao ponto de partida
E conhecer o lugar pela primeira vez
[…] Na nascente do rio mais longo
A voz da cascata escondida
Não conhecida, porque não procurada
Mas ouvida, semi-ouvida, no silêncio
Entre duas ondas do mar”.

Carlota de Macedo Santos

(In Mensageiro do Coração de Jesus, novembro de 2024)

(1) “Falar piano e tocar francês”, Martim Sousa Tavares.

(2)“Le Radeau de la Méduse”, Théodore Géricault.

(3) “Rezar de Olhos Abertos”, Dom José Tolentino Mendonça.

Atualidade

Meditação Diária

Seleccione um ponto de entrega