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Brotéria – janeiro 2024

Vol. 198 – 1

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Brotéria – janeiro 2024

Detalhes do Livro

Nº Páginas: 122
ISBN:
Dimensão: 15 x 23,4cm

Autor

Brotéria

Descrição

A Brotéria entrou em 2023 com o desejo de cultivar a atenção, de procurar, de promover e de mostrar bons lugares. Chamámos a isso eutopoi, numa construção livre de uma palavra que significa exatamente isso: o topos que é eudaimon – o lugar que é feliz, não de maneira fugaz, mas através da prática da virtude e do desenvolvimento do potencial humano em todas as suas dimensões. Mais do que encontrar um mote ou um filão temático inspirador que de algum modo abarcasse toda a atividade da Brotéria, quisemos que a nossa missão e a nossa identidade adotassem este modo de ver. Que nos implicasse na exploração – criativa e conscientemente – da eutopia como “possibilidade de tornar real, concreta, tangível, a visão que se tem para o mundo”, caminho mais promissor do que a utopia, onde a revelação do bem é eternamente adiada porque se mostra inalcançável.

De uma formulação talvez arriscada foi crescendo uma busca quase obsessiva pelo bom lugar, tornando-se o motor de trabalho da equipa da Brotéria: organizámos um epónimo ciclo de conferências mensais, encomendámos artigos para a revista surgindo até um número especial “a propósito da juventude”, montámos um programa de itinerância da nossa atividade através da revista, (re)conhecemos tesouros na nossa centenária biblioteca, montámos exposições de arte contemporânea, que paralelamente foi transformando o modo como trabalhamos em equipa, como avaliamos aquilo que fazemos e como procuramos receber todos os que nos visitam “in loco”, nos leem ou chegam até nós através de tantos meios diferentes.

Numa conversa a propósito do projeto da Brotéria com alguém que teve um papel importante no seu início, foi-nos dito que, ao fim de três anos e pouco de funcionamento, corríamos o risco de estar a construir um projeto em que éramos “perigosamente inofensivos”. O que estava por detrás era uma impressão de que a Brotéria poderia ser, no fundo, uma coleção de pessoas simpáticas e corteses, mas que nada tinha de verdadeiramente acutilante para afirmar num mundo cheio de tragédia e de tensão. Procurar bons lugares, foi-nos dito, é uma intenção nobre, mas no limite naïf e improcedente.

Pensar nesta crítica e discuti-la em equipa, permitiu-nos fortalecer as nossas intenções. Não só não nos reconhecemos nesta hipótese como também não partilhamos da visão de que buscar bons lugares seja um exercício ingénuo ou pouco corajoso. Contudo, isto levou-nos a tomar consciência de que não somente o que pensamos, dizemos e escrevemos mas também o que pomos em prática, através da nossa atividade e do nosso modo de receber, se desenvolve a um ritmo próprio, mais lento, porventura diferente daquele a que o nosso tempo nos tem habituado. Na ordem do dia de quase todas as organizações está o enquadramento nos objetivos de desenvolvimento sustentável e na medição de impacto através de métricas e indicadores que dificilmente poderão relatar aquilo a que a Brotéria se tem proposto. Isto não significa que o nosso exercício seja inconsistente, que tenha objetivos inconsequentes ou que a nossa vontade seja de não nos implicarmos mais diretamente no combate àquilo que está mal. Contudo, temos aprendido e compreendido que o bem que procuramos se revela mais no longo do que no curto prazo e que talvez não caiba nos comuns indicadores-chave de desempenho.

É preciso realmente encontrar modos e formas de lutar contra a violência, de a recusar, de a denunciar abertamente. Encontrar bons lugares, promover a esperança, não é inimigo de combater os maus lugares e de procurar, também com humildade, contribuir para que eles tenham menos expressão e menos espaço.

Pode parecer estranho que um espaço cultural como a Brotéria tenha esta necessidade. Em rigor, é uma aflição que nos acompanha desde o início: queremos ser portadores de esperança, reveladores de bem e bondade, construtores de um olhar positivo para tudo o que este tempo tem de positivo, mas queremos, em simultâneo, habitar um mundo que se preocupe com a justa remuneração dos trabalhadores, com a criação de condições para que se possa aceder a uma habitação digna, com o acesso adequado à cultura e aos bens culturais. Queremos também contribuir para que o debate teológico que existe no nosso país seja melhor do que tem sido, para ajudar a formar líderes políticos e empresariais que não sejam manchados pela corrupção que na última década assombrou o nosso país, para, na nossa pequena escala, trazermos ao nosso país interesses mais pertinentes do que a eleição de dirigentes desportivos ou as intrigas mais recentes das revistas de “jet-set”.

Não nos revemos como sendo “perigosamente inofensivos”. O que vemos, aliás, é que este caminho de revelar bons lugares ajuda a Brotéria a cumprir com a missão a que se propôs. Em todo o caso, compreendemos que há ainda mais a fazer para que o nosso mundo possa todo ele ser eutopos. Isso passa por aprender a situar-nos neste lugar de tensão entre o anúncio e a denúncia, revelando o bem escondido e recusando o mal presente. Neste ano que agora começa, contamos com a presença de toda a comunidade da Brotéria para nos ajudar a crescer neste caminho.

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