Ainda há bem poucas semanas, os calores do início de Verão faziam-se sentir como um apelo a férias e a descanso. Em breve, outros “calores” se levantarão com a abertura dos Jogos Olímpicos, em Paris, a XXXIII Olimpíada da era moderna. Que tem uma coisa a ver com a outra? Tanto a atividade desportiva como os lugares e os tempos de descanso fazem parte do complexo poliedro que é cultura.
Há dois aspetos socioculturais do agir olímpico e da realização dos Jogos que, pela sua lendária característica e pelo seu desafio, vale a pena recordar e considerar. O primeiro é a assim chamada “trégua olímpica”: a intenção e a decisão de que a grande competição atlética entre gregos, em Olímpia, fosse ocasião e causa de paz. O segundo aspeto diz respeito à tensão entre ideais: o amadorismo e o profissionalismo.
O amadorismo puro, desejado pelo Barão de Coubertin, poderia ser demasiado idealista. Mas o atleta profissional em exclusividade e a tempo inteiro corre perigo. Convém que haja mais vida para além disso. O fabrico de campeões, na busca de sucesso e de riqueza, é enganador, também por ser para poucos e de curta duração. O encantamento por um lugar no pódio é compreensível, mas deve ser acompanhado por uma “mente sã” que saiba perder e reconhecer com alegria o valor do adversário. Penso que o verdadeiro desportista deveria poder cultivar outros interesses e até outra profissão. Quem lhe dá condições para isso? Antes e para além do desporto-espectáculo, o desporto-cultura deveria fazer parte da escola das artes.
Aristóteles ensinava os discípulos enquanto passeava com eles, conversando “peripateticamente” pelos campos. Esse espaço e esse tempo para aprender e crescer em liberdade e gratuidade chamava-se “ócio”, tradução correta do grego ‘scholé’ (“escolé”) donde vem também a nossa palavra “escola”. Também a palavra e o conceito “desporto” (os brasileiros usam o termo “esporte”) significam atividade “sem-porte”, isto é, gratuita, vivida por amadorismo, como deveriam ser as artes e as ciências, sujeitas a corrupção quando exercidas para ganhar fama e dinheiro. Utopia ou desafio? Quem age apenas pelo sucesso e pela riqueza não participa, dificilmente tem espírito de equipa e não encontra descanso. O descanso, mais ou menos vivido, vem do modo como estamos com os outros, connosco próprios e com os nossos talentos, e com a natureza, no agir e na contemplação. Ele vem de tudo isto, a que cabe dar tempo e sentido.
Nem todas as férias são descanso e nem todo o desporto, atividade ou espetáculo fazem descansar. Uma coisa é certa, desporto e descanso pedem sabedoria na gestão dos tempos e dos modos de estar com equilíbrio consigo mesmo e com os outros, na construção do futuro.