O escritor checo Milan Kundera apresenta-nos, no seu romance A Imortalidade, uma incisiva reflexão sobre o caminho e o tempo:
«Antes ainda de desaparecerem da paisagem, os caminhos desapareceram da alma humana: o homem já não sente o desejo de caminhar e de extrair disso um prazer. E também a sua vida ele já não vê como um caminho, mas como uma estrada: como uma linha conduzindo à etapa seguinte, do posto de capitão ao posto de general, do estatuto de esposa ao estatuto de viúva. O tempo de viver reduziu-se a um simples obstáculo que é preciso ultrapassar a uma velocidade sempre crescente».
É possível que Kundera cuja vida se desenrola numa discrição escolhida e provocante não conte ainda, neste parágrafo, com as mudanças provocadas com as novas tecnologias e as redes sociais. O caminho deixou de ser caminho para se converter em estrada; agora, a estrada parece converter-se numa praça, onde, perdidos na multidão, todos procuramos fazer ouvir a nossa voz.
É no caminho do retorno, da tristeza e da falta de espírito que o Ressuscitado Se apresenta aos discípulos de Emaús e lhes explica as Escrituras (Lc 24, 13-35). Ainda que marcados pela ausência de uma esperança ao contrário das mulheres, que haviam visitado o sepulcro o percurso em comum permite aos discípulos retomar o fio do sentido, a memória da história, a partilha do pão.
Trata-se, no fundo, de conceder aos dias e às relações o tempo e o espaço, a paciência e a tolerância, a abertura e o perdão de que tanto necessitamos. Para que os caminhos voltem a habitar quer as paisagens, quer a nossa alma.
Rui Pedro Vasconcelos
Imagem: Frank Auerbach (1931-)