Toda a gente conhece pessoas que chegam de férias muito cansadas. A mim, admira-me como é possível que haja quem passe domingos passeando os olhos de cobiça em centros comerciais! Assim, os recomeços do “trabalho”, no dia seguinte, complicam-se.
Parece que nascemos prontos para agir, descobrir e progressivamente mexer e mexer-se, e procurar o que comer, o que fazer. Depois, o organismo dá sinais de desgaste e adormecemos. Mas isso não é o “Descanso”. Viver descansado é uma arte humana e cristã.
Vem à memória aquele bom homem cheio de desejos de cumprir, de chegar a todo lado e a Deus, até porque “Deus nos mandou estar prontos para todo o serviço! Agora não posso, mas venho já”, dizia ele, com dois telefones, um olho nas notícias, correndo ao andar de cima, para mais um recado entre dois emails. Corria e mais corria. “Falo-te logo, depois da missa, passo no hospital e quero chegar antes dos miúdos se deitarem”. Corria tanto que um dia não aguentou. Então parou e Deus, finalmente, conseguiu alcançá-lo! Era um pouco tarde, mas começaram aí as suas aulas de descanso: a consciência da necessidade de equilíbrio, do dizer ‘Sim’ e ‘Não’, de assumir as prioridades.
Jesus descansava
Naquela hora de calor, depois da caminhada, sentou-se junto ao poço de Jacob. Deixou os discípulos, aprendizes, irem às compras abastecerem-se, sem Ele. Mas o que mais o descansou foi a conversa libertadora e franca com a mulher samaritana; bem como o recordar consolador do tempo em que já não haverá competição de “montes”, de santuários que nos dividem, mas adoraremos, todos, em Espírito e Verdade (Jo 4). Sim, Jesus convidava os discípulos: Vinde a um local sossegado! (Mc 6, 31). Ele próprio desaparecia e subia ao monte para rezar a sós (Mt 14, 23). Também descansava com os amigos: sempre que podia, passava em casa de Marta, Maria e Lázaro, sem pressa, partilhava afetos e alimentos (Lc 10, 38). Ensinava a viver em paz, dando paz, sabendo que somos ovelhas no meio de lobos (Lc 10, 6). Aprendeu a peregrinar, sem perder a cabeça, compreensivo e frontal, perdoando e curando os males e o stress de cada um. N’Ele não se viam nem a pressa, nem a ganância, nem o individualismo, fontes de tanto desgaste.
Não haverá aqui um bom programa de formação para as nossas escolas e catequeses, nesta Europa velha e cansada de gente sem lugar, migrantes e desempregados, que, deprimida, tende a substituir o descanso pelo divertimento e pelo consumo fácil?
Onde encontrar descanso?
“Vinde a Mim, vós todos que andais cansados e oprimidos” (Mt 11, 28). Descansar, mais do que não trabalhar, é agir de outro modo. E férias e tempo livre devem ser tempo de mais liberdade, vivido sabiamente, ocupado naquilo que equilibra, pacifica, cultiva e relaciona melhor com os outros, com o espaço e com o tempo. Numa palavra, o que nos humaniza.
Há três coisas que certamente nos descansam. São as nossas fontes de Jacob: no frio ou no calor, na própria terra ou em terra estrangeira. A primeira é sentir-se e saber-se amado! Não há nada que mais descanse, dando a necessária segurança que cada um precisa para gerir a sua vida, tanto nos sucessos como nos desaires. A segunda fonte é ter um sentido na vida, ou seja, estar profundamente convencido que há futuro, que vale a pena empenhar-se porque, mesmo na dor ou na travessia do deserto, se tem a certeza de que Deus está e a seu tempo tudo se converte em bem para os que o amam. Esta fonte chama-se esperança. A terceira fonte vem de ser reconhecido e saber que se tem lugar neste mundo. Ou seja, estar convencido que se tem uma missão única, como membro único que somos da sociedade e do corpo místico que é Cristo e a sua Igreja.
Treinar para o descanso eterno
Se, como a Bíblia e a Vida nos ensinam, não há maior descanso que amar e ser amado, e se isso, em plenitude, é o Céu para que fomos feitos, então é preciso caminhar nessa direção e prepararmo-nos, desde já, para alcançar esse pleno de comunhão com Deus e com todos os santos.
Entretanto, o descanso será sempre entremeado de cansaços e percalços, vulnerável, mas pode também ser crescente e englobante se, vivendo à maneira de Cristo as nossas relações com a natureza, connosco próprios, com os outros e com o próprio Deus, nos tornarmos concriadores e criativos, de modo a chegar ao nosso sétimo dia e com Ele descansar.
É preciso treinar. Treinar para ir vivendo já o que de verdade importa e nos descansa, isto é, nos torna plenos no que damos, no que recebemos e no que comungamos. Treinar a contemplação integradora; treinar a justiça pacificadora; treinar a verdade e a solidariedade libertadoras. Tanto trabalho “descansador”!
Rezemos sem preconceitos: dai-nos, Senhor, o eterno descanso.
Esse descanso não é só para missas de defuntos. O descanso eterno não é o que vem depois da morte, mas aquele que se experimenta superando o pecado. O pecado é que nos mata; pois mata a alegria, mata o amor e destrói o descanso.
Na praia ou no campo, no trabalho como na família, na política, na arte e no desporto, em todas as nossas relações e situações, descansar comungando. Fazendo tudo como se tudo dependesse de nós e, simultaneamente, confiando tudo como se tudo dependesse de Deus. E as duas coisas são verdadeiras e descansam.
Vasco Pinto de Magalhães, sj
(In Mensageiro do Coração de Jesus)
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