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Gestos de misericórdia… mesmo aqui ao lado

Por estes dias, tive a oportunidade de contactar diretamente com uma família de refugiados. Fugidos de um país em guerra, onde o som de bombas a rebentar fazia parte do dia a dia, atravessaram fronteiras em busca de uma vida melhor. O casal e os quatro filhos (o mais novo ainda no ventre materno) fizeram parte do percurso de transporte rodovário. Outra parte foi percorrida a pé. No país onde procuraram acolhimento nasceu o elemento mais novo da família.

As dificuldades entretanto sentidas levaram-nos, como tantos outros, a tentar a sua sorte noutro local. Pelo meio, havia uma viagem de barco a fazer. Sim, como aquelas que ouvimos relatar na comunicação social.

Dezenas de pessoas, incluindo crianças, viram-se entretanto envolvidas por condições atmosféricas adversas. O barco teve uma avaria e ameaçava naufragar. Felizmente, uma embarcação de um país europeu resgatou todas as pessoas com vida. Para o fundo do mar foram os poucos pertences que ainda traziam.

Seguiu-se um tempo num campo de refugiados. Pouco depois, aceitaram a proposta de residir em Portugal. Estão a integrar-se e procuram adaptar-se o melhor possível à nova vida.

Muito se tem falado na importância do auxílio e do acolhimento a estas populações. Esgrimem-se argumentos a favor e argumentos contra. Mas, polémicas à parte sobre o apoio a estes cidadãos, estes dias senti que é bem diferente ouvir uma notícia na comunicação social… ou pegar ao colo numa criança que já atravessou o Mediterrâneo num barco e viveu em campos de refugiados. Uma criança que sorri com ternura para quem ternura lhe dá.

Quando uma família chega a um país de acolhimento, multiplicam-se gestos e campanhas de ajuda. Enquanto uns oferecem roupas, outros contribuem com géneros alimentares e há também quem acabe por oferecer, por exemplo, material escolar para as crianças. Estas ajudas são importantes. Mas, em vez de criar dependência em quem as recebe, devem ser uma forma de ajudar essas pessoas a tornarem-se autónomas e a irem gerindo aquilo que lhes pertence sem dependerem sempre de terceiros.

Importa, porém, que a vontade de ajudar quem chega a um país de acolhimento não cegue os nossos olhos relativamente aos refugiados que, há anos, moram na nossa rua, no nosso bairro, na nossa cidade. Devemos, pois, ter gestos de misericórdia… mesmo aqui ao lado. Sempre na lógica de a ajuda dada ser uma forma de as pessoas e famílias se autonomizarem e conseguirem melhores condições de vida.

Essas pessoas, por vezes com vergonha de pedir ajuda porque são conhecidas, não atravessaram fronteiras nem se fizeram ao Mediterrâneo em condições desumanas, mas também necessitam de roupas, géneros alimentares e material escolar. Não viveram em campos de refugiados, mas também precisam de um pouco de ternura, tendo certamente ternura para nos dar, nem que seja simplesmente dizendo “obrigado”.

Essa preocupação e atenção ao outro, que também nos obriga muitas vezes a descentrar de nós e dos nossos interesses, é, aliás, o cerne das obras de misericórdia que têm sido tão badaladas durante o Ano Santo que estamos a celebrar.

Quando damos de comer a quem tem fome ou de beber a quem tem sede, quando vestimos os nus, damos pousada aos peregrinos, prestamos assistência aos doentes, visitamos os presos ou enterramos os mortos, fazêmo-lo porque alguém precisa de nós. Se damos bons conselhos, ensinamos os ignorantes, corrigimos os que erram, consolamos quem está triste, perdoamos as injúrias, sofremos com paciência as fraquezas do próximo ou rogamos a Deus pelos que vivem e por quem já faleceu, estamos também a preocupar-nos com alguém, mesmo que isso tenha implicações diretas na nossa vida.

Importa, pois, que a prática das obras de misericórdia, seja com refugiados fugidos aos horrores da guerra e aos sons das bombas a rebentar, seja com aqueles que, sendo nossos vizinhos, também precisam de ajuda, tenha continuidade, mesmo depois de terminado o Ano Jubilar.

Texto: Cláudia Pereira

Foto: Tomislav-Georgiev (www.refugiados.pt)

 

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