Ainda me lembro do meu primeiro dia de escola. Foi, acima de tudo, de expectativa. Aos seis anos, encantei-me com o pouco que a sala de aula tinha. Um quadro, giz, mesas e cadeiras. Não havia brinquedos, só figuras geométricas em madeira, balanças, pesos e um enorme mapa de Portugal com uma varinha para apontarmos as serras e os rios. O recreio era enorme e ao ar livre. Tinha uma parte em terra batida para jogar à bola; outra relvada para as corridas, para saltar à corda, ao elástico, ao barqueirinho, ao lencinho e a tantas outras brincadeiras. Havia ainda um espaço com plantas e árvores de pequeno porte, cuidadas por nós, com a ajuda das professoras e da auxiliar. No inverno, quando chovia, tínhamos de partilhar um espaço interior, de que ninguém gostava. Era demasiado pequeno para todos e facilmente surgiam os conflitos. Nessas alturas, apenas comíamos o lanche e regressávamos à sala. Um simples olhar severo das professoras servia para manter a ordem.
A minha escola já não existe. O edifício sim, o conceito não. Dizem que a escola teve de evoluir para responder às exigências das famílias modernas. Para além do tempo curricular (calculado em cerca de cinco horas diárias), a escola agora tem de contemplar o apoio à família, que basicamente se reflete num prolongamento dos horários de funcionamento. E como as crianças são cada vez menos, optou-se pela concentração por escolas, em muitos casos sem as devidas condições físicas e organizacionais.
Da escola, desde o pré-escolar, e para além do cumprimento de um plano curricular, espera-se um espaço de educação cívica, de educação para os valores, para a convivência harmoniosa entre pares. Fora e dentro da sala de aula. O recreio faz parte de um todo que é a escola e tem uma função muito importante, tantas vezes negligenciada: contribuir para a educação informal, de forma construtiva, pacífica e divertida.
É nos recreios que se aprendem coisas únicas, se moldam personalidades, se desenvolvem competências e relações interpessoais, assim como o respeito pelos outros. É nestes tempos e nestes lugares que as crianças/adolescentes são convidadas a tomar decisões sobre as atividades a realizar, as regras a seguir e os amigos com quem partilhar.
Mas tal como a escola, os recreios também evoluíram, em muitos casos para reinos de conflito e de desordem, onde se amontoam crianças, onde as brincadeiras facilmente se transformam em jogos de luta.
Há estudos académicos que confirmam que as agressões entre as crianças e adolescentes são «muito mais frequentes» nos recreios do que em qualquer outro espaço da escola. Uma análise a vários casos de bulling permitiu concluir que os conflitos tinham origem nos recreios.
Daí a necessidade imperiosa de repensar os recreios. Torná-los espaços bem equipados, que permitam atividades diversificadas, com áreas suficientes para o número de crianças/adolescentes que dele usufruem e com recursos humanos habilitados e motivados para a valorização destes espaços.
As crianças precisam de brincar em segurança. É um direito consagrado e um fator determinante para um crescimento saudável. A bem de todos, as escolas têm de considerar mais e melhor os recreios e investir num projeto educativo que preveja muito melhor os tempos não letivos.
A educação, através de um contexto de vida, imbuído por valores não só afirmados, mas vividos, pela qualidade dos relacionamentos interpessoais entre educadores/professores e alunos e os alunos entre si é um dos motivos pelos quais muitos pais optam pelas escolas católicas.
O Instrumentum laboris da Congregação para a Educação Católica – “Educar hoje e amanhã”, de 2014, salienta que «a aprendizagem não é só assimilação de conteúdos, mas oportunidade de auto educação, de empenho em vista do próprio progresso e pelo bem comum, de desenvolvimento da criatividade, de desejo de uma aprendizagem contínua, de abertura aos outros». Princípios e valores que distinguem a educação cristã e que nas escolas católicas se devem aprender na sala de aula e nos recreios.
Elisabete Carvalho