Eis um verbo que, com muita frequência, somos desafiados a conjugar: recomeçar. Os dias sucedem-se sem cessar. O calendário nega-se a ser parque de estacionamento e impulsiona-nos a seguir em frente. Cada manhã há que recomeçar e, durante o dia, diversas vezes temos de conjugar este mesmo verbo.
A nossa agenda repete-se e os nossos afazeres, a maior parte das vezes, são as mesmas ocupações do costume. Recomeçar é um imperativo a cumprir com alma. Repetir não é um verbo cansado, de braços caídos. Repetir deve significar insuflar uma alma nova no corpo da vida comum.
Estamos em tempo de recomeçar o novo ano letivo e pastoral, de reiniciar os trabalhos comuns, a seguir ao intervalo das férias. Cada família e comunidade organiza o esquema da sua vida comum, quais carris que facilitam a vida de todos os envolvidos. Recomeçar não pode traduzir-se por “mais do mesmo”, repetindo rotineiramente com a desumanidade de uma máquina de fotocópias. Recomeçar não pode ser o exercício inconsciente de um robot. Por mais perfeito que seja, não transmite afetos nem comunica a alegria de viver. Recomeçar com humanismo e graça, com alma e coração.
Não há nenhum dia igual ao outro, mesmo que tenhamos de fazer o mesmo dos dias anteriores, no mesmo lugar, convivendo com as mesmas pessoas. Cada dia é uma estreia mundial, original e inédita, se damos licença ao nosso coração para amar em cheio. O jovem poeta Sebastião da Gama faz esta pergunta à qual dá a resposta certa: “Tens muito que fazer? Não, tenho muito que amar”. O problema não está em ter de repetir os mesmos afazeres, mas em deixar de amar com todo o coração, caindo na tentação da rotina, da superficialidade, do desencanto.
Santo Agostinho apresenta-nos a fórmula ideal para recomeçar, seja em que campo for: “Ama e faz o que quiseres. Se calares, cala com amor; se gritares, grita com amor; se corrigires, corrige com amor; se perdoares, perdoa com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos”. Não amar é o problema que tudo complica. Amar é sempre a solução. Se eu amar, posso fazer o que quiser, que será sempre bem feito.
Recomeçar tem de rimar com criatividade. À massa da rotina acrescentar o fermento da criatividade. Não é que se mude de atividade, de lugar e circunstâncias. Em tudo há que pôr um coração e um espírito novo. Como afirma um autor: “Recomeçar é quando a gente cria a coragem de ser de novo tudo novo” (Val Abreu).
A fé ajuda a recomeçar com esperança, ultrapassando cansaços e desilusões. Por isso nos exortava o Papa Francisco, ao começo deste ano na festa da Epifania: “Peçamos a graça de nunca perder a coragem: a coragem de ser indagadores de Deus, homens de esperança, intrépidos sonhadores que perscrutam o céu, a coragem da perseverança em caminhar pelas estradas do mundo, com o cansaço do verdadeiro caminho e a coragem de adorar, a coragem de olhar para o Senhor que ilumina cada homem”.
Recomeçar. Sempre com alma e coração.
Manuel Morujão, sj