«Todos somos responsáveis, e eu mais do que todos os outros» (Emmanuel Lévinas).
A nossa sociedade, herdeira do iluminismo filosófico que inspirou a Revolução Francesa, erigiu vários absolutos. Um deles, o indivíduo não o indivíduo como alguém único e irrepetível diante de Deus, mas o indivíduo atomizado, senhor de direitos que recebe do Estado e de deveres perante o mesmo Estado. Um desses direitos é a liberdade, frequentemente pensada como absoluta. O caso mais evidente é o da liberdade de expressão, sobretudo de expressão artística, em nome da qual tudo é permitido.
Este indivíduo atomizado, porém, não vive sozinho. A sua liberdade absoluta acaba sempre limitada. Surgiu, assim, o chavão segundo o qual «a minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro». Ora, se a liberdade do outro limita a minha liberdade que, por princípio, é absoluta então só me resta alargar o espaço da minha liberdade fazendo encolher o espaço da liberdade do outro. Este, porém, pode pensar e agir da mesma forma em relação a mim e temos, assim, «a guerra de todos contra todos», em nome da liberdade. Os últimos anos têm nisto sido exemplares, e os próximos ameaçam aprofundar esta tendência.
Como sugere a frase citada no início deste texto, se o ponto de partida for a responsabilidade perante o outro, a liberdade individual nunca se erige em absoluto, antes tem como limite a responsabilidade que lhe é anterior e a liberdade de expressão, por exemplo, não permite insultar o outro, porque eu sou responsável perante ele, antes de ser livre em oposição a ele. Trata-se de uma outra forma de pensar o indivíduo e as relações sociais e antes de rasgar as vestes em nome da liberdade, talvez valha a pena considerar a tese proposta e o seu valor ético no jogo das relações sociais. Sem esquecer que tomar a responsabilidade como fundamento destas relações não anula nem a liberdade nem a exigência de justiça. Pelo contrário, acrescenta-lhes exigência.
Elias Couto