Rir e fazer rir a Deus

Nunca houve uma audiência pontifícia tão a sério, por contraste. Aconteceu no dia seguinte à festa de Santo António de Lisboa, a 14 de junho, no Vaticano. Mais de uma centena de humoristas foram recebidos pelo Papa Francisco, incluindo os portugueses Joana Marques e Daniel Leitão, Maria Rueff e Ricardo Araújo Pereira. O Sumo Pontífice fez subir ao mais alto nível a arte de alegrar mentes e corações.

É certo que os cómicos e profissionais do humorismo são levados pouco a sério; a arte do humor, do riso e do sorriso é considerada geralmente como um género menor perante a seriedade dos discursos e sermões, das declarações e conferências. O artista Almada Negreiros recorda-nos que “a alegria é a coisa mais séria deste mundo”. Os que promovem a alegria na família e no trabalho, na Igreja e na sociedade devem ser levados a sério, considerados como profetas de boas novas da alegria, como construtores da civilização do amor. Amor deve rimar com humor.

Os cómicos e humoristas têm a magia de esconjurar o pessimismo e o derrotismo; plantam flores onde há a lama da monotonia e do cansaço; ressuscitam a criança inocente e alegre, que cada um deveria guardar bem viva no seu coração, mas que, tão frequentemente, foi sepultada no cemitério das amargas lamúrias sem fim; são técnicos que acendem a luz da esperança ao fundo do túnel dos desenganos e desistências. Havendo alguns que são profissionais da arte do humorismo, todos nós, cada um a seu jeito, podemos e devemos assumir a missão de promover a alegria ao nosso redor. Não percamos tempo e virtude em semear mal-me-queres tristonhos e espinheiros do azedume, que dão frutos de vinagre e fel. Invistamos em plantar bem-me-queres e amores perfeitos de alegria altruísta e carinhosa.

O dramaturgo e poeta Paul Claudel simplifica todos os nossos deveres numa síntese jubilosa: “o nosso único dever neste mundo é a alegria”. Cada um de nós deverá especializar-se, ao seu jeito, na arte do bom humor: gracejar sem ferir; dizer uma piada sem humilhar; contar uma anedota que semeie sorrisos; brincar com leveza; aprender a desanuviar situações tensas com um gracejo caridoso. À lista de bem-aventuranças proclamadas por Cristo no sermão da montanha, podemos acrescentar esta: Feliz aquele que sabe rir de si próprio, porque nunca mais acabará de se rir! É a arte da relativização da seriedade tipo arame-farpado, fazendo brotar rosas dos próprios espinhos. O autêntico humorista é aquele que sabe rir-se de si próprio para assim poder alegrar os outros.

O Papa Francisco chega mesmo a afirmar que a arte de alegrar os outros também faz sorrir o próprio Deus: “O que vou dizer a seguir não é uma heresia: quando conseguis fazer com que sorrisos inteligentes brotem dos lábios, mesmo de um só espetador, vós também fazeis sorrir Deus”. Que bela missão cabe a todos nós: fazer sorrir a Deus, pela alegria que oferecemos aos que, à nossa volta, são imagens vivas de Deus.

São Tomás Moro viveu situações de grande dramaticidade, inclusive a sua condenação à morte, com encantadora serenidade e paz. É o autor da oração para pedir o bom humor, que a todos aconselho: “Dai-me, Senhor, uma boa digestão e também qualquer coisa para digerir. Dai-me a saúde do corpo, com o bom humor necessário para a conservar. Dai-me, Senhor, uma alma santa que saiba aproveitar o que é bom e puro, e não se assuste à vista do pecado, mas encontre a forma de colocar as coisas de novo em ordem. Dai-me uma alma que não conheça o tédio, as murmurações, os suspiros e os lamentos, e não permitais que sofra excessivamente por essa realidade tão dominadora que se chama ‘eu’. Dai-me, Senhor, o sentido do humor. Dai-me a graça de entender os gracejos, para que conheça na vida um pouco de alegria e possa comunicá-la aos outros. Assim seja”.

Estas palavras do Santo Padre, dirigidas aos humoristas profissionais, também podem ser endereçadas a cada um de nós: “Desejo-vos as maiores felicidades e que Deus vos acompanhe nesta bela vocação de fazer rir, como comediantes. É mais fácil ser trágico do que cómico. Obrigado por fazerdes rir as pessoas e também obrigado pelo riso do coração. O Senhor vos abençoe a todos. Obrigado!”.

Uma bela missão a exercitar na vida quotidiana: rir e fazer rir a Deus espelhado em tantos rostos sedentos de alegria.

Manuel Morujão, sj


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