O mundo à nossa volta, cada vez menos cristão, mais laico e ateu, mais indiferente e agnóstico, perante os grandes temas cristãos será que ao menos se interroga? Quaresma: que é isso? Penitência, jejum, abstinência: que é isso? Conversão, metanoia: que é isso? Pecado: que é isso? E quantas outras perguntas, que muitos e muitas, mesmo batizados, se fazem a si mesmos e, oxalá, as façam a outros que os possam ajudar e responder.
Um mundo distante da Bíblia, da prática sacramental, da vida litúrgica, dos valores éticos, da vida de oração, de desejo de conversão, de abertura a Deus e ao seu amor. Muitos dos que participam na Eucaristia, só vão à Missa, e a participação séria, cuidada, com fé, com preparação é muito reduzida. O catecismo que aprenderam em pequenos já o esqueceram e parecem não estar interessados em saber, em estudar, em enriquecer o seu interior.
Atrevam-se, comigo, a perguntar a muitas pessoas mais distantes da vida da Igreja, mesmo dizendo-se cristãs e, talvez, devotas de Nossa Senhora de Fátima, e talvez cultas a nível humano e científico, quais são os mandamentos da lei de Deus, quais sãos os sete sacramentos, quais são os dons do Espírito Santo, e terão grandes surpresas. Perguntem comigo o que é a consagração da Missa, o que é um sacramento, e ficarão abismados perante as respostas. Essas coisas não interessam a muita gente, mesmo a quem se diz «católico não praticante».
Quaresma: que é isso? Algum jogo de cartas, o nome de alguma cidade? Parece que há um jogador de futebol com esse nome Quando a televisão transmitia o filme Os Dez Mandamentos, ainda tinham alguma ideia de quem era Moisés, o que foi a travessia do deserto, o que foi a passagem do Mar Vermelho, etc. Agora que se vê sucessivas telenovelas, que se passam sucessivas notícias do negativo, do crime, da paixão, do futebol, parece que tudo vai caindo como um baralho de cartas. Não há a arte de fomentar a formação, a cultura religiosa e o interior da pessoa.
Perguntem a uma assembleia que enche uma igreja ao domingo quantos leram a Bíblia toda, ao menos uma vez, ou pelo menos o Novo Testamento. Perguntem se na paróquia há pessoas que, vindo à igreja, ou em peregrinação a Fátima, vão à bruxa, acreditam no feitiço e são supersticiosas. Perguntem quantas vão a Fátima, pagar a promessa de colocar uma vela, mas não se confessam, nem vão à Eucaristia dominical. Perguntem quantos casais preferiram optar pela união de facto do que pelo sacramento do matrimónio.
Mas o mundo à nossa volta também tem maravilhas extraordinárias, não só as belezas da natureza, não só o pôr-do-sol com tantos matizes, não só a beleza e a variedade das flores, dos pássaros, do verde das florestas, da variedade imensa de frutos, de peixes, etc., mas também imensos corações em fogo que ardem de amor por Jesus, que se dedicam ao próximo com carinho, doçura, generosidade, serviço dedicado, que se esforçam por rezar, por contemplar, que buscam Deus no silêncio orante, que O adoram no Santíssimo Sacramento, que são dedicados apóstolos, com audácia e paixão, cumprindo a sua missão.
Como é consolador encontrar tantos sacerdotes dedicados, castos e serviçais, homens de Deus e servos dos homens. Como enternece encontrar tantas mães de família que vivem alegres o serviço dos outros na doação do dia a dia. Como é fabulosa a dedicação, delicada e eficiente, de tantos médicos e enfermeiros. Como alegra o coração encontrar a generosidade de tantos leigos que se comprometem no serviço do Reino e até na ida para as missões. Como ajuda a alma perceber a vida e a doação dos contemplativos que nos elevam para Deus com a sua oração, o seu serviço e o seu canto. Como dilata a alma e o coração saber e ver tantas e tantos dedicados aos mais pobres, aos sem-abrigo, aos doentes, aos refugiados, aos idosos, aos que vivem sós e sem amor, dando a vida como Jesus, Servo Humilde.
A Quaresma, vivida a sério, preparando a Páscoa, nos ajudará a mudar de vida, de critérios, de valores morais, de comportamentos, nos dará um coração novo. Reinarão a vida, a liberdade, a justiça, o amor. Reinarão a dignidade humana, o valor de cada pessoa, o sentido da luta contra o mal e o pecado. Reinarão a paz e a alegria que nos vêm de Cristo Ressuscitado. Reinará o amor, esse amor evangélico que faz maravilhas, que nos faz mais felizes, que nos ajuda a fazer felizes os outros. Quarenta dias de esforço, de mudança, de conversão. Abertura do coração, da vida, da casa a Deus e ao próximo. Com mais oração, mais penitência, mais caridade, prepararemos o coração para a libertação pascal.
Dário Pedroso, sj