“Cristãos sem Fronteiras” é o título da nova rubrica da revista Mensageiro, que lhe dá a conhecer experiências vividas por quem decidiu partir em missão, para fora de Portugal, ajudando quem mais precisa e pondo em prática os valores do Evangelho. Este mês damos-lhe a conhecer a história de Karina Oliveira, uma enfermeira para quem o mundo é a sua casa.
Não sabe se é por ser enfermeira que gosta das missões ou se o desejo de fazer missões a levou a optar pela enfermagem. O que é certo é que Karina Oliveira quer fazer parte da solução e não dos problemas do mundo. Por isso, há dez anos que vive de mala pronta para ir para onde mais precisarem dela.
Nasceu na Venezuela. Regressou a Portugal com os pais e dois irmãos mais velhos quando tinha dez anos. Pertence a uma família católica praticante, onde a educação cristã foi incutida desde cedo.
Karina é enfermeira desde 2005 e atualmente trabalha em cuidados de saúde primários na Gafanha da Nazaré. Teve «a sorte» de ter sempre pessoas à sua volta que a inspiraram e contribuíram para que fosse construindo um caminho que a levou à missão ad gentes.
Por cá, fez voluntariado com pessoas com doença mental, crianças e jovens em situação de emergência, sem-abrigo, trabalhadores de sexo, imigrantes em situação irregular e idosos.
Mas o sair de casa «desinstala-me, faz-me abrir as minhas fronteiras. Sair de cá, ajuda-me a ver com outros olhos a realidade», refere a jovem missionária, que já esteve em três países. A primeira missão ad gentes foi em Timor-Leste, durante um ano, de abril de 2006 a abril de 2007. Precisamente em Laclubar, no distrito de Manatuto, com os Irmãos de São João de Deus. Repetiu a experiência naquele país em 2009, mas apenas por um mês. Em 2011 e 2012, esteve na ilha de Santiago, em Cabo Verde, integrada em ONG’s locais. Em março de 2016, partiu para a Grécia, Lesbos e Atenas, numa pequena missão com uma ONG do Porto, a Passo Positivo, na intervenção com refugiados.
Para além da disponibilidade e abertura para se ser missionário, é necessária formação. «Só o desejo de se fazer missão ou boa vontade não são suficientes». Na missão concreta, Karina percebeu que é fundamental ter competências pessoais, profissionais e emocionais.
«Antes de partir para Timor fiz formação durante um ano. Integrei a formação de voluntariado internacional organizada pela Fundação Fé e Cultura, fiz campos de férias, de trabalho e fins de semana com a organização com quem parti – a Juventude Hospitaleira e os Irmãos de São João de Deus. Tive aulas de tétum (a língua local de Timor-Leste) e, ao mesmo tempo, formação profissional mais específica, como Medicina de Viagens», recorda Karina Oliveira.
Quando voltou de Timor, fez mestrado em Ação Humanitária e Cooperação para o Desenvolvimento (2010) e especializou-se em Enfermagem de Saúde Mental (2011). Fez ainda formação em Desenvolvimento Pessoal e Exercícios Espirituais desde 2008.
Em Timor, «a missão foi tão dura quanto profunda» e fez com que Karina reformulasse os seus conceitos de vida. Foi colocada no centro de saúde local como enfermeira. Deu formação em saúde capacitando agentes locais de saúde, implementou as visitas domiciliárias, fazia o mapeamento dos doentes da região e colaborava com a missão dos outros missionários. Na altura, tinha 22 anos. A pobreza, desnutrição, morte, necessidades básicas, a falta de água, luz, gás, telefone, internet eram, até aí, «realidades de filme». A saúde/doença deixou de ser a sua profissão e passou a ser a sua missão de vida.
Na primeira missão em Cabo Verde, Karina interveio como enfermeira especialista de Saúde Mental. A segunda vez, esteve como consultora em projetos de saúde para um bairro local e uma residência universitária de jovens. «Foi gratificante perceber que, mesmo em pouco tempo (missão de um mês), podemos contribuir para um mundo melhor», refere.
Em Lesbos e em Atenas, dedicou-se à enfermagem junto de refugiados/deslocados. Ali «cada pessoa é um tesouro». Trilhar os mesmos passos de quem foge da guerra, ouvir relatos em primeira mão de quem foi torturado, ver famílias inteiras a viver numa tenda, a fazerem filas para ir buscar alimentos e tomar banho e, mesmo assim, perceber que este cenário é preferível a ficar no país de origem, «mexe interiormente», afirma, notando que o mais impressionante é que, apesar de tudo, «ainda se acredita na Humanidade, ainda se acredita na Europa, há esperança, há alegria estampada nos rostos e no discurso de quem foge da guerra».
A visão romântica que Karina tinha da missão foi–se perdendo ao confrontar-se com a realidade dura dos países em desenvolvimento: a crise política e os deslocados no próprio país; as mortes infantis por desnutrição/fome; o escasso acesso à educação, saúde e habitação; os conflitos culturais; a desvalorização das mulheres; os doentes mentais, ignorados e excluídos. Tudo isto impressionou e moldou a sua forma de ser, estar e fazer.
O que de melhor trouxe de todas as missões foram «conceitos de vida refeitos. Conceitos como simplicidade, pobreza, dedicação, amor», conta Karina, reconhecendo que tudo isto a tornou melhor pessoa e melhor enfermeira.
Karina Oliveira considera que há muita falta de entendimento por parte das várias entidades, quer voluntários/missionários, quer entidades públicas/governamentais. É muito importante compreender o contexto cultural, histórico e político de cada país e intervir a partir da sua história e atendendo às pessoas com quem se está.
«Em missão, não pode haver o eles e o eu, tem de se criar o nós. Não há cooperação se não houver envolvimento e, para isso, a importância de uma linguagem comum», acentua.
Karina sonha com «um mundo onde não seja preciso ONG’s, porque os governos, as entidades locais e mesmo os vizinhos fazem todos a sua parte». Enquanto isso não acontece, continua de mala pronta, porque o mundo é a sua casa e há muitos irmãos à sua espera. O destino da próxima viagem, Jesus dirá.