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Ao Encontro da Páscoa pelo Caminho da Quaresma

Estamos a caminho da Celebração da Páscoa do Senhor e, através dela, das nossas páscoas como vivência e experiência cristãs. A Quaresma como caminho e percurso chega sempre carregada de ressonâncias bíblicas assente em algumas ideias-chave: o “deserto” (lugar de solidão, afastamento e lonjura); a situação de “fome” e “jejum” (lugar de carência) levando a realidade humana para o mundo das miragens e tentações; o “monte” (Sinai/Horeb) como lugar privilegiado de encontro com o Sagrado onde Deus revela e Se revela ao homem e de onde nascem decisões transformadoras de vida e missões clarificadas.

Hoje chamar-lhe-íamos lugar privilegiado de oração onde o homem encontra Deus e Deus encontra o homem nas suas fragilidades, inseguranças, fugas e medos. Foi a grande graça concedida a Moisés que, fugido para as montanhas de Madian e mais conduzido pelo rebanho do sogro do que por vontade própria, chegaria ao monte Horeb, onde faria a experiência da Sarça Ardente, recebendo como missão a condução dum povo que o livro do Êxodo contará longamente.

Julgo importante recordar três experiências bíblicas pelo que de esclarecedor têm como paradigma da nossa caminhada quaresmal, quer em Igreja, quer a nível pessoal. No deserto entrou o povo bíblico como um amontoado de doze tribos; nele caminhou quarenta anos até chegar à Terra Prometida como “povo” e “Povo de Deus”; encontrando Deus, encontrou-se a si mesmo na sua identidade e missão futura.

Para o deserto, com medo da ameaça de morte por parte da rainha Jezabel, fugiu Elias de si mesmo e da missão profética durante quarenta dias e quarenta noites; nele andou perdido até cair de cansaço e sono; aí o encontra Deus e alimenta para continuar a caminhada até ao Monte Horeb, onde recebe a força necessária para novamente regressar à missão e a si mesmo.

No deserto Se refugiará Cristo durante quarenta dias e quarenta noites para responder à forma concreta como devia realizar a missão recebida do Pai, vencendo na sua pessoa a tríplice tentação de todo e qualquer homem: a tentação do material (“Não só de pão vive o homem”), da vanglória (“Não tentarás o Senhor teu Deus”) e do poder (“Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele prestarás culto”). Será apenas e tão só Servo e Filho do Homem (um de nós, connosco e no meio de nós), abrindo, desta maneira, no seu caminho o nosso caminho pascal pela linha do serviço.

É para este “deserto” que a Igreja nos convoca; é para este “monte” onde Deus nos espera que somos convidados a partir com os nossos medos, fraquezas e limitações. Só que fica no ar uma pergunta: onde está esse deserto e esse monte?

Cristo nunca perdeu a noção do deserto e do monte na sua vida pública. As Bem-aventuranças foram proclamadas no monte, a escolha dos Doze Apóstolos foi antecedida duma longa oração no monte, no seu dia a dia retirava-Se com frequência para “um lugar deserto”, no Horto separa-Se dos seus discípulos (“Sentai-vos aqui enquanto Eu vou além orar”) e aos seus discípulos recomenda o estar só com Deus (“Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto, fecha a porta e reza em segredo ao teu Pai e Ele que vê o oculto, há de recompensar-te”).

É para dentro deste ambiente que hoje sou convidado a entrar; é para dentro da realidade profunda do nosso mundo pessoal, onde apenas entram Deus e eu, que o mesmo Deus nos chama. Talvez esteja aí o nosso deserto, cheio de solidão, vazio de tentações; talvez esteja aí o mundo das renúncias por fazer para que, através do jejum e abstinência, aprendamos a abdicar (abster-se) do “mais” em favor do “melhor” e a dizer “não” para sermos capazes de dizer “sim” à vontade de Deus e ao seu projeto, projeto este que nos leva necessariamente aos irmãos para, juntos, continuarmos a nossa caminhada quaresmal ao encontro da Páscoa e das nossas páscoas.

 

A. da Costa Silva, sj

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