«Sejamos cautelosos: tenhamos consciência de que o nosso coração não é autossuficiente; é frágil e ferido»1
Rir, chorar, entristecer-se, alegrar-se, sentir-se inquieto ou pesaroso, sentir esperança e alegria… Evitar alguns encontros, ter vontade de avançar com algumas decisões e sentir rejeição por alguns trabalhos, perceber o que me deixa irritado e o que me deixa grato, amar e sentir-se rejeitado. Todos nós já experimentámos estes movimentos no nosso coração em algum momento.
Estou consciente dos meus movimentos internos? Guardo tempo para reconhecer como está o meu coração? O que sinto? O que desejo?
O Caminho do Coração, no seu Passo Dois, «O coração humano inquieto e necessitado», convida-te a reconhecer que coisas movem o teu coração, as forças que o habitam e o impelem a agir numa ou noutra direção. É que os acontecimentos externos, tudo o que vivenciamos, têm impacto no nosso mundo interior, levando-nos a pensar, a fazer julgamentos, a sentir. E a partir desses movimentos internos, agimos. A ira, a alegria, a tristeza, a felicidade e o mal-estar não só permanecem na nossa interioridade, como movem as nossas ações. Por isso, «despertar» o coração, reconhecer os sentimentos que o habitam, ajuda-nos a reconhecer «quais as forças que nos movem».
O coração é atravessado pela ambiguidade. Queremos amar e ser amados, mas, muitas vezes, procuramos essa experiência por caminhos errados que prejudicam e nos prejudicam. «Amor e coração não estão necessariamente unidos, pois num coração humano podem reinar o ódio, a indiferença e o egoísmo. Porém, não atingimos a nossa plena humanidade se não saímos de nós mesmos, tal como não nos tornamos inteiramente nós mesmos se não amamos».2
Por isso, devemos reconhecer os movimentos espirituais para acolher aqueles que nos conduzem pelos caminhos da vida, nos tiram de nós mesmos para o encontro com os outros e nos impulsionam a amar. E rejeitar o que nos fecha e nos leva por caminhos de egoísmo e de falta de amor. Trata-se de acolher os sentimentos mais parecidos com os de Jesus que nos impelem a agir com os seus gestos e atitudes, tal como vemos no Evangelho, rejeitando o que nos distancia do seu modo de proceder. «O Coração de Cristo é êxtase, é saída, é dom, é encontro. N’Ele tornamo-nos capazes de nos relacionarmos uns com os outros de forma saudável e feliz, e de construir neste mundo o Reino de amor e de justiça».3
Olhar para o nosso coração é um exercício para nos encontrarmos com o Senhor e o seu olhar sobre nós. Ele mostra-nos a verdade do nosso coração tal como Ele a vê, iluminada pelo perdão e pelo ardor da sua compaixão. «A Bíblia diz que “a Palavra de Deus é viva, eficaz […] e discerne os sentimentos e as intenções do coração” (Heb 4, 12). Deste modo, fala-nos de um núcleo, o coração, que se esconde por detrás de todas as aparências e até mesmo de pensamentos superficiais que nos confundem. Os discípulos de Emaús, na sua misteriosa caminhada com Cristo ressuscitado, viviam um momento de angústia, confusão, desespero, desilusão. Mas, para além disso e apesar de tudo, acontecia algo no seu íntimo: “Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho?” (Lc 24, 32)».4
O Passo Dois convida-nos a constatar a nossa fragilidade e a aprender com os caminhos errados que tomamos, sabendo que o Amor tem sempre a última palavra. O Senhor alcança-nos sempre com o seu perdão e sustenta as nossas buscas.
«O coração é igualmente o lugar da sinceridade, onde não se pode enganar ou dissimular. Costuma indicar as verdadeiras intenções, o que se pensa, se acredita e se quer realmente os “segredos” que não se contam a ninguém, em suma, a verdade nua e crua de cada um. O que não é aparência ou mentira, mas autêntico, real, inteiramente “pessoal”».5
A verdade sobre si mesmo liberta porque nos torna transparentes diante do Senhor, para quem não temos segredos. Reserva um tempo todos os dias para calibrar o teu coração e pô-lo em sintonia com o olhar que o Senhor tem sobre ti. Como é que o Senhor te vê? O que diz sobre ti?
1 Carta Encíclica do Santo Padre Francisco sobre o amor humano
e divino do Coração de Jesus Dilexit nos, outubro 2024, n.º 30.
2 Dilexit nos, n.º 59.
3 Dilexit nos, n.º 28.
4 Dilexit nos, n.º 4.
5 Dilexit nos, n.º 5.
Bettina Raed | Vice-diretora internacional da Rede Mundial de Oração do Papa
(In Mensageiro do Coração de Jesus, abril de 2025)
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