Estamos em novembro, mês em que especialmente veneramos os nossos defuntos. É incontornável a ideia de que um dia seremos chamados a despedir-nos desta vida, tendo que morrer o Rei, o Papa e o simples cidadão como nós.
Para viver bem, com serenidade e esperança, importa cultivar uma boa relação com a “irmã morte”, ao jeito de S. Francisco de Assis e de incontáveis santos e santas.
Há imagens pagãs da morte, que precisam de ser convertidas, batizadas na água viva da ressurreição de Cristo: um machado que desfaz o tronco de árvore frondosa e a reduz a lenha seca; um personagem tétrico com o rosto coberto que, com a sua gadanha, ceifa vidas humanas, sem dó nem piedade. Não nos resignemos a encarar assim a morte, como soldados derrotados que aguardam o pior.
A morte não acaba connosco, como se nos reduzisse às cinzas de um cemitério. A morte é a porta de entrada para a mudança de residência da nossa completa identidade pessoal. Aberta a porta da morte, entramos na vida que não terá fim. É certo que é uma “porta estreita”, que dá passagem para um horizonte misterioso. Não estacionamos na porta, mas seguimos em frente para um maravilhoso futuro eterno, que esperamos receber de Deus infinitamente misericordioso. A nossa fé na ressurreição de Cristo abrenos as portas da morte à nossa própria ressurreição: “se morremos com Cristo, acreditamos que também com Ele viveremos” (Rm 6, 8).
Com realismo, devemos cair na conta de que a nossa vida, para poder existir sempre, não apenas 150, 300 ou 500 anos, exige a delicada operação da morte. Só assim poderemos ser eternos, felizes em Deus eterno, sem limitação alguma.
As pessoas queridas da nossa família e amizades não podem ser apartadas da memória do nosso coração. Pela morte apenas se retiram da nossa proximidade física. Longe da vista deve ser ainda maior razão para estar perto do coração. Assim fazemos com uma pessoa amiga que emigra para um país distante.
A oração é como uma tecnologia maravilhosa que torna o longe perto, que faz presente quem está fisicamente ausente. Nesta linha, Santo Agostinho afirma com imagens que falam por si: “Uma lágrima pelos defuntos, evapora-se; uma flor sobre o túmulo, murcha; mas uma oração chega ao coração do Altíssimo”.
Rezar pelos que já partiram para a eternidade é parte integrante de pôr em prática o mandamento do amor ao próximo. Assim, nos exorta o Concílio Vaticano II: “Reconhecendo claramente a comunicação de todo o Corpo Místico de Cristo, a Igreja dos que ainda peregrinam cultivou com muita piedade, desde os primeiros tempos do Cristianismo, a memória dos defuntos”. Com a separação física que se dá com a morte, “de modo nenhum se interrompe a união dos que ainda caminham sobre a terra com os irmãos que adormeceram na paz de Cristo; mas é reforçada pela comunicação dos bens espirituais” (LG 50 e 49).
Entre a terra e o céu não há uma fronteira intransponível. Todos fazemos parte da mesma família de Deus, ainda no tempo ou já na eternidade. A fraterna ajuda mútua permanece sempre um mandamento que a todos diz respeito. Todos podemos ajudar e ser ajudados, em comunhão de amor. O Doutor da Igreja S. Tomás de Aquino chega mesmo a afirmar: “A oração pelos defuntos é mais aceite por Deus do que a oração pelos vivos, porque os defuntos dela necessitam e não podem ajudar-se a si mesmos, ao passo que os vivos o podem fazer”.
A oração pelas pessoas que já partiram para a eternidade é um exercício de amor e corresponsabilidade. Mudaram de residência, mas não foram extintos nem reduzidos a nada. Eles contam com a nossa solicitude e solidariedade orante. Entre céu e terra, entre tempo e eternidade, não existe um muro intransponível. A oração circula com velocidade instantânea pela ponte da amizade, que a morte não deve nem pode destruir.
Alarguemos o horizonte do nosso coração para além do que se vê e está fisicamente perto. As pessoas queridas que mudaram a sua residência do tempo para a eternidade de Deus continuam presentes no nosso coração. Rezar por quem emigrou para a pátria de Deus é um belo dever de amizade.
Manuel Morujão, sj