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Brotéria – agosto/setembro 2024

Vol 199 – 2/3

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Brotéria – agosto/setembro 2024

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Autor

Brotéria

Descrição

«E vem aí mais um sínodo. E um jubileu. Depois de uma “visita ad limina apostolorum”. E de uma JMJ. E de vários sínodos. E de um Ano da Misericórdia. E o Ano da Fé. O Paulino. O da Eucaristia. O Ano Sacerdotal… O que ficou de “Promover a Renovação da Pastoral da Igreja em Portugal”, na sequência da “visita ad limina” de 2007 (e depois ainda houve a de 2015)?» “Retórica inconsequente”, classificou António Marujo este elenco de iniciativas e de jornadas eclesiais, de planos e de documentos, com seus rituais e declarações de intenção. Será responsabilidade das lideranças como aponta o jornalista? Em grande parte, certamente. Mas a questão é bem mais ampla e mais funda. Sempre mais à margem da cultura comum, fruto de mutações sociais, políticas, culturais e espirituais inéditas, a Igreja católica parece bloqueada internamente na reação a ter e nos caminhos a seguir. A inércia partilha e reflete a compreensível dificuldade estrutural e a inaptidão para se situar na realidade de um mundo plural e secular pós-cristão: para o reconhecer, sem precipitados juízos de valor, e para reinventar nele um bom lugar, como minoria que passou a ser, dando um passo em frente em relação a ressentidos sentimentos de perda e a sonhos de regresso a um passado mitificado.

A questão não é de agora, mas agora assume uma dramaticidade agravada, já não tanto pela contestação ruidosa que lhe possa vir de fora, mas pelas crises que se instalaram internamente e, sobretudo, pelo silencioso afastamento de quem estava dentro e que, lenta e progressivamente, se vai desafeiçoando. Para muitos, o cristianismo deixa simplesmente de fazer sentido existencial. Transversalmente, perde relevância cultural. Se sobrevive como património civilizacional, morre em muitas consciências. Nos anos sessenta do século passado – já então! – François Roustang chamou-lhe «terceiro homem», aquele que toma consciência de que o universo das fórmulas que se repetem e dos ritos que se cumprem, simplesmente, deixou de lhe falar. Por isso se afasta sem ruído nem drama. Fazendo-se valer sobretudo da sua própria consciência, procura e abre-se a outras referências para ler a realidade e orientar a própria vida.

O Vaticano II alterou a linguagem mas, em muitas situações, matérias e práticas, é Trento quem continua a determinar o modo de pensar e de proceder, de deliberar e de decidir. Faz parte desse quadro o dispositivo de resistência diante daquilo que se identifica como degenerescência dos valores, perda de qualidade moral da sociedade, enfraquecimento de fundamentos antropológicos, tal como faz parte sustentar que a autoridade de que a Igreja dispõe é a de não ter autoridade para ser e para fazer de outro modo. Non possumus é a expressão latina clássica de um magistério que se entende essencialmente em chave negativa. Simplesmente, não pode. Mas se a Igreja não pode compreender-se nem ser de outro modo neste mundo plural, autónomo e em contínua mutação, o mundo, este, parece poder bem sem ela. Quererá a Igreja ficar sem mundo, resistente e protegida no seu pequeno mundo burocrático e formalista? Poderá a fidelidade ao Evangelho e à Tradição impor-lhe tal perda? Mas como fazer? Ser contracultura? E que contracultura? Outra cultura por desenhar?

Por onde ir e como ir partindo do lugar real em que o cristianismo católico se encontra e das fraturas internas e externas com que se confronta? A superação da “retórica inconsequente” implicará atenção viva ao Evangelho e aos fenómenos, liberdade no discernimento “sinodal” dos apelos e dos bens em jogo – pede ampla escuta, certamente, mas não pode dispensar o confronto crítico de argumentos e a deliberação –, coragem na visão, no rumo e nas escolhas consequentes. Tanto a gratidão pela herança recebida como a imaginação do futuro pedem à Igreja – batizados, comunidades, lideranças – que abrace com confiança a graça difícil do presente. As fraturas de agora têm a virtude de instaurar possibilidades com futuro. Porque celebram a Páscoa, os cristãos sabem que os processos de morte são passagem para aberturas promissoras. Não serve, por isso, procurar entre os mortos Aquele que está vivo – “Não está aqui”, “precede-nos mais além”.

 

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