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Caminhos de ternura

O caso “Matilde”, a bebé com atrofia muscular espinal, cujos pais conseguiram mobilizar o país e angariar 2 milhões de euros para o medicamento que pode salvar a vida da filha, surpreendeu-me. Afinal, há muitas pessoas dotadas de compaixão e ternura.

Confesso o meu pessimismo inicial, dado o montante da verba e sobretudo a indiferença a que tantas pessoas votam as situações de doenças graves e de deficiência. Por norma, quando estas campanhas correm nas redes sociais merecem muitos likes e até partilhas mas o contributo efetivo costuma ser diminuto.

Neste caso, a comunicação foi mais assertiva e eficaz. Para além do pedido dos pais, alguns nomes conhecidos assumiram-se como influencers, evidenciando o seu donativo como um exemplo a seguir. E o efeito foi de contágio. A sociedade mobilizou-se, mostrou que sabe ser solidária e até antecipar-se ao Estado. Pesou também o testemunho interpelativo da família de outra criança que morreu com a mesma doença. Graças a tudo isto, a Matilde conseguiu o dinheiro para o medicamento milionário e abriu um caminho de esperança para mais dez crianças com atrofia muscular espinal.

Através da Matilde, revisito a história de muitas outras crianças com doenças raras que enfrentam dificuldades sem fim para terem uma vida digna e de qualidade. Crianças e pais que se esbarram em silêncios e portas fechadas a soluções que não têm nada de milionárias, apenas requerem sensibilidade, humanismo e boa vontade. O desenvolvimento e bem estar destas crianças e pais tão especiais não devia ser uma luta mas um direito inalienável; as respostas certas e atempadas deviam chegar naturalmente e não pela via da mediatização.

As pessoas doentes e deficientes não se enquadram nos padrões de beleza, perfeição e sucesso que uma maioria tanto preconiza. Uma maioria onde se incluem aqueles e aquelas a quem foi confiada a gestão de recursos que podem fazer toda a diferença na vida destas pessoas.

Jean Vanier, o fundador d’A Arca e do Movimento Fé e Luz, dizia que “as pessoas vulneráveis podem despertar o que de mais belo existe nas pessoas fortes; convidam-nas a abrir o seu coração e a sua inteligência à compaixão; a descobrir a sua humanidade”. É sobretudo isto que o país e o mundo precisam: de Matilde’s que apontem caminhos de ternura e tornem esta “casa comum” um lugar bem melhor para todos.

Mas o que é isto de ternura? O Papa Francisco explica: “A ternura consiste em usar os olhos para ver o próximo, os ouvidos para ouvir o outro, o grito dos pequeninos, dos pobres, de quantos têm medo do futuro, para ouvir também o clamor silencioso da nossa casa comum, da terra contaminada e doente. A ternura significa utilizar as mãos e o coração para acariciar o próximo, para cuidar dele». Vamos a isso?

 

Elisabete Carvalho

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