O meu nome é António Lourenço, terminei o curso de Medicina em Julho de 2018 e, desde então, tenho procurado perceber como servir a Deus através da profissão que juntos escolhemos. Embora tenha já trabalhado com migrantes e refugiados, nunca estive em zona de guerra ou senti que a minha vida estivesse alguma vez em sério risco.
No entanto, vi, ouvi e senti os efeitos da guerra, do terrorismo, da ganância e do culto do dinheiro e do poder…do Mal. No verão do ano passado, estive na Grécia, em Tessalónica e em Lesbos, e contactei diretamente com vítimas de todos estes flagelos. Posteriormente, em novembro do mesmo ano, estive no Bangladesh, junto do povo rohingya, uma das minorias mais perseguidas dos nossos dias, totalizando perto de um milhão de refugiados a residir atualmente no Bangladesh, depois de terem fugido do Myanmar (Birmânia).
Em ambos os casos, testemunhei em primeira mão como a guerra pode mudar completamente a vida de uma pessoa, de uma família, de uma sociedade, de uma nação, de um povo. De repente, aquilo que parecia distante e impessoal, tornou-se próximo em histórias e rostos concretos.
Não posso esquecer que um dia ouvi um amigo contar-me como a sua casa em Mossul foi bombardeada “acidentalmente”, levando à morte de toda a sua família. Não posso esquecer as dezenas de mulheres e homens que partilharam comigo terem sido vítimas de violação, muitas vezes por forças militares associadas a regimes ditatoriais e também por grupos rebeldes/terroristas. Não posso esquecer os relatos de meios de tortura que eu não conseguiria sequer imaginar nos meus piores pesadelos. Não posso esquecer o olhar vazio de quem já não reconhece valor e sentido à sua vida. Não posso esquecer o desespero de um marido que tenta evitar o suicídio da esposa, ou de uns pais que se viram obrigados a fugir do seu país, deixando para trás uma bebé com semanas de vida. Não posso esquecer todo o sofrimento, dor, todo o terror pelo qual passaram estas pessoas.
Em cada uma delas vi-me a mim mesmo e vi todos os que mais amo. Vi Jesus que continua a ser crucificado naqueles que, como São Paulo, “completam na sua carne o que faltou às tribulações de Cristo” (Col 1, 24).
Mas também vi Fé naqueles que (ainda) acreditam que a vida tem sentido e que não desistem de si mesmos nem dos seus. Vi Esperança, mesmo quando saíam do consultório improvisado com não mais do que uns medicamentos para aliviar a dor (tantas vezes mais psicológica que física) e umas palavras de incentivo antes de voltarem ao inferno do campo de refugiados. Sobretudo, testemunhei como Amor vai tocando os corações, transformando-os e regenerando as suas feridas.
É sobre isto que escreverei nos próximos dias. Histórias de muita dor e sofrimento mas em que Amor se foi/vai manifestando mesmo que por vezes apenas enquanto uma pequena semente, um grão de mostarda, que um dia germinará numa árvore onde muitos se possam abrigar à sua sombra. Escrevo com gratidão por poder ter vivido tudo isto e ter tentado ser o melhor médico voluntário que podia, mesmo quando sentia que o trabalho excedia largamente as minhas competências. Procurei não me revoltar com Deus pelos sofrimentos e dores de que era testemunha mas entreguei-Lhe todas estas histórias e pessoas, por entre orações e lágrimas. Pedi-Lhe a Graça de saber escutar e servir. O Senhor não me desiludiu.
António Lourenço