O leitor imagine que quer escrever um livro. Que sonhou durante alguns anos com escrever um livro e que finalmente se decidiu. Entusiasmaram-no a escrever um romance.
Depois de ter começado, vieram as dúvidas. Mas para que é que eu estou a fazer isto? Mas será que tenho talento? E como é que eu sei que tenho talento? Isto é um tiro no escuro. E se o livro é um fracasso? E se não arranjo editor? E se ninguém compra? E se a crítica o desfaz? Enfim, há motivos de sobra para o leitor não andar para a frente.
Por outro lado, vai mostrando bocadinhos a este e àquele, recebendo críticas, aperfeiçoando o texto, ganhando confiança e lá vai andando. Mas claro que continua a ser um tiro no escuro e essa tensão começa a ser insuportável. Escrever para a eventualidade de se chegar ao fim com um fracasso de todo o tamanho é insuportável. Então, é preciso alguma coisa que dê alegria ao ato de escrever. É preciso que escrever não seja só para se ter sucesso.
A partir daqui, o leitor pergunta-se: porque é que eu comecei a escrever? E porque é que ainda estou a escrever? Comecei a escrever por um impulso, como que empurrado por alguma coisa interior. Chegou a hora de ver se isso que me empurra continua no tempo, tem energia para me empurrar ao longo de todo o processo de escrita, se tenho alegria ao escrever.
Então, ou escrevemos por necessidade interior, escrevemos porque isso nos realiza, escrevemos porque temos prazer nisso ou não nos aguentamos na longa caminhada. Numa palavra, temos que escrever por amor a nós próprios. E também escrevemos por amor ao leitor. Escrevendo por amor, escrevemos necessariamente para Deus, pois que Deus é Amor.
O leitor, se tem alguma coisa lá no fundo que há muito gostava de fazer mas não sabe se tem esse dom, arrisque. Se tem esse desejo lá dentro, vai ver que encontra prazer na caminhada e que Deus lhe aparece pela frente.
Gonçalo Miller Guerra, sj