Antes de tratar o tema, faço um apontamento que parece não ter a ver, mas que ajuda a clarificar. Na oração há dois tipos de distracções, que acontecem bastante e com as quais teremos de aprender a conviver. Há distracções sobre coisas pequenas e quotidianas, uma tarefa a fazer, um compromisso a realizar, uma coisa que está fora de sítio ou um barulho que não cessa. Para essas a solução é simples: com paciência e docilidade, afasto a distracção do pensamento, porque estou a fazer algo mais importante nesse momento. De novo na presença de Deus e continuo.
Há outras mais teimosas, persistentes, uma pessoa, algo que me foi dito, uma decisão que não tenho coragem ou vontade de tomar. Mas, tendo diante de mim um texto ou uma meditação, é nisto que devo estar, pois não tem a ver com o que se está a pensar. Ou talvez tenha muito a ver, porque não é o que se está a pensar que interessa, mas o que se está a sentir. E sentimos sobre coisas significativas logo, se elas insistem, devemos dar-lhes atenção. Colocar a questão com verdade e falar disso com Deus, que é do que trata a oração, falar a Deus da minha vida.
O mês de Junho é uma espécie de últimos quilómetros da maratona. Já se fez quase tudo, mas falta aquele pedaço até à meta das férias, quando cada passo já está mais carregado com desânimo e falta de vontade do que propriamente com o peso do corpo. Estar cansado é normal, faz parte da vida, como a distracção faz parte da oração. Mas, tal como as distracções, há bons e maus cansaços. Cansaços que vêm das coisas pequenas e cansaços que vêm das coisas grandes. Aos primeiros, é preciso responder com realismo, distância e um saudável humor, pois raramente essas contrariedades significam o fim do mundo. Os segundos cansaços, se percebemos que são causados pelas coisas certas, acabam por não ser um peso. Um trabalho que se abraça como missão, o ser pai ou ser mãe, marido e mulher, dedicação generosa ao outro. Cansa, é verdade, mas é um cansaço bom.
Nesta recta final do ano, cansemo-nos bem, mas com aquilo que importa; não deixemos que coisas pequenas ocupem mais espaço que as grandes. O que enche o coração não cansa, e, se ele fica cansado, é porque está cheio de coisas que deveriam não estar lá, as distracções, por exemplo.
António Valério, sj