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Um fogo que arde sem se ver

Este artigo é o terceiro da trilogia sobre o casamento. É sobre aquela fase do casamento em que o casal volta a estar sozinho em casa. É o que eu chamo a fase da contemplação do outro e da contemplação de Deus.

Nesta fase da casa sem filhos, o amor é menos óbvio (talvez tenha menos manifestações), mas é muito mais respeitador e, é claro, muito mais maduro; embora não seja raro os casais desta idade terem muitas quezílias superficiais. É claro que pode haver a tentação de encher o dia a dia com tantas coisas que continua a não haver tempo para o casal. Tão pouco andarão sempre agarrados um ao outro. Mas há uma série de dons e talentos que é preciso pôr a render, sob pena de frustramos o sentido do nosso casamento. Como diz S. Paulo, na Carta aos Romanos “os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis” (Rom 11, 29). O que implica que os temos que pôr a render custe o que custar. E, às vezes, pode custar muito, mas não temos outra alternativa que não seja “andarmos para a frente”, vencermos medos, timidez, cansaço, desalento.

Com toda a experiência que já temos de oração, peçamos ao Espírito Santo a sua força, a sua luz. Peçamos-Lhe que nos encha de amor. Nunca nos esqueçamos que o casamento é um sacramento e que o nosso amor é a participação do amor de Deus. Por isso, apesar do desalento que às vezes sentimos, das preocupações, das doenças que começam a aparecer, vamos olhar cada vez mais para os aspetos positivos da nossa mulher, do nosso marido.

Vamos aprender a contemplá-lo, a contemplá-la,

Vamos reaprender a namorá-lo, a namorá-la,

a gozá-lo, a gozá-la,

a apreciá-lo, a apreciá-la.

 

Vamos pôr os nossos talentos a render, para que a vida do nosso companheiro seja o mais feliz possível. Porque afinal casámo-nos para fazermos o outro feliz. Há 30, 40, 50 anos prometemos, frente a Deus, amar o outro em qualquer circunstância, quer dizer, fazê-lo feliz em qualquer circunstância e não só quando é fácil.

É preciso uma grande maturidade e uma grande união com Deus para atingirmos este grau de felicidade.

Felicidade feita de pequenas coisas.

Feita de elogios, carinhos, pequenas e grandes atenções, projetos e caminhadas.

Já não julgamos pelas aparências mas já estamos em sintonia.

 

Gostava de terminar com uma coisa que me parece muito importante: a cerimónia entre o casal.

O casal pode e deve estar muito à vontade um com o outro e no entanto fazer cerimónia. Nenhum deles é um objeto nas mãos do outro, nenhum deles tem que ouvir disparates do outro.

Se fizerem cerimónia um com o outro, as coisas conversam-se.

Se fizerem cerimónia um com o outro, prestam atenção ao que o outro está a dizer; se fizerem cerimónia um com o outro constroem hábitos que vão servir de air bag para um dia em que haja um desastre o choque seja amortecido.

Se as pessoas forem civilizadas, o amor tem muito mais qualidade.

 

Só que isto implica muita disciplina,

implica muito amor,

implica querer!

 

P.S. – Cerimónia não é não falar. Não falar também não é boa educação.

 

Gonçalo Miller Guerra, sj

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