Aqui têm a razão pela qual lhes peço que traduzam a frase: «A nossa vocação é ser divinizado» pela seguinte: «A nossa vocação é ser divinamente transformados». Ninguém se torna o que Deus é avançando despreocupadamente ao longo de um plano inclinado. Não desembocamos tal como somos na vida mesma de Deus. É preciso uma transformação radical (entendo esta palavra no sentido mais estrito: vem de radix, que significa raiz). Para tornar-se o que Deus é, o homem precisa de ser radicalmente transformado.
E, tal como a expressão-chave da primeira conferência é: NÃO É SENÃO, também aqui a expressão-chave é: TRANS. Encontramos este prefixo em trans-formação, trans-figuração, trans-ferido, trans-porte, trans-siberiano, trans-atlântico. Todas as vezes que intervém o prefixo «trans», dá-se a morte de qualquer coisa e o nascimento de outra. Não há «trans» sem morte a qualquer coisa e um novo nascimento a outra. Já compreendem porquê: se a nossa vocação é ser divinizados, torna-se iniludível que o nosso destino se processe em forma de morte e de ressurreição.
É importante definir estes dois termos. Quando falo de morte, ao longo de toda esta exposição, não se trata simplesmente da nossa morte final, da morte que surge no fim da nossa vida, do facto de exalar o último suspiro. Trata-se dessa morte necessária ao longo de toda a nossa vida, da morte a si mesmo, da morte ao próprio egoísmo, à qual chamamos sacrifício. Pôr no mundo uma criança e educá-la, toda a gente sabe que isso impõe sacrifícios.
Quando falo de ressurreição, não se trata, depois da morte, de regressar à vida que se tinha antes de morrer. Ressuscitar é passar a uma vida totalmente diferente. O que eu quisera demonstrar é que a passagem ou a transferência para a vida divina, para a vida mesma de Deus, não tem lugar só depois da morte, mas ao longo de toda a vida: implica sempre uma morte e um novo nascimento ou uma ressurreição.
Excerto retirado do livro de François Varillon, Alegria de Crer e de Viver, Editorial AO 2013