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Realismo de uma utopia: ser santos

Seria aberrante e indecoroso fazer a seguinte exortação a pessoas que amamos: Fazei o bem, mas só a quem for simpático e quando não exigir muito esforço! A mediocridade é um ideal maravilhoso! Basta que ameis o suficiente para dardes a impressão de serdes boa gente! Praticai as virtudes que sejam fáceis e que vos promovam na consideração da opinião pública!… Isto seria servir o veneno da banalidade e da mesquinhice.

Jesus Cristo não faz descontos nem saldos na sua exigência: “Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste” (Mateus 5, 48). “É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei. Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos” (João 15, 12-13). E Ele deu mesmo a vida por nós até ao fim.

Muito nos exige o Senhor das nossas vidas, porque muito nos ama. As suas exigências são todas a nosso favor. Por isso Lhe devemos estar imensamente agradecidos. Assim nos pede: “Sede santos, porque Eu sou Santo” (Levítico 11, 45). “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1 Tessalonicenses 4, 3). “Buscai a paz com todos e a santidade, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hebreus 12, 14)…

Estamos agradecidos ao Papa Francisco, porque na sua recente exortação apostólica Alegrai-vos e Exultai (Gaudete et Exsultate) nos veio recordar que a santidade deve ser a meta para a qual devemos caminhar cada dia, no contexto comum das nossas vidas: “Para ser santo, não é necessário ser bispo, sacerdote, religiosa ou religioso. Muitas vezes somos tentados a pensar que a santidade está reservada apenas àqueles que têm possibilidade de se afastar das ocupações comuns, para dedicar muito tempo à oração. Não é assim. Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra. És uma consagrada ou um consagrado? Sê santo, vivendo com alegria a tua doação. Estás casado? Sê santo, amando e cuidando do teu marido ou da tua esposa, como Cristo fez com a Igreja. És um trabalhador? Sê santo, cumprindo com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos. És progenitor, avó ou avô? Sê santo, ensinando com paciência as crianças a seguirem Jesus. Estás investido em autoridade? Sê santo, lutando pelo bem comum e renunciando aos teus interesses pessoais” (n. 14).

A santidade, parecendo um sonho e uma utopia, deve ser a nossa mais profunda aspiração. Não está reservada a uma elite de pessoas religiosas, uma espécie de recordistas olímpicos da virtude. A santidade é para qualquer pessoa simples e comum, mas que não desiste de ser melhor, de dar qualidade à vida. Como recorda Chesterton, unindo realismo e utopia, e aproximando a terra do céu, o humano do divino, “santo é aquele que, com os pés na terra, consegue pôr a cabeça no céu”.

A santidade, como nos recorda o Concílio Vaticano II, é um estrito dever de todo o cristão e não uma alternativa de luxo para alguns superdotados. É o caminho normal da vida de seguimento de Cristo, tal como a normalidade de qualquer árvore é que dê frutos e não apenas folhagem e flores. “É, pois, claro para todos que os cristãos, de qualquer estado ou grau, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade” (Lumen gentium 42). Por isso, no começo do novo milénio, assim nos exortou S. João Paulo II: “É hora de propor de novo a todos, com convicção, esta ‘medida alta’ da vida cristã comum” (Novo Millennio Ineunte 31). A santidade não está em fenómenos extraordinários como podem ser os êxtases, as visões ou os estigmas; ou reservada para pessoas em circunstâncias especiais: os que se apartam da vida comum, indo para a clausura de um convento de frades ou um mosteiro de monjas.

A santidade, ou seja, a vida de qualidade em Cristo, não deve ter as cores tristes de uma obrigação pesada, mas antes ser uma resposta jubilosa ao desafio que nos faz Cristo nas suas bem-aventuranças: “Alegrai-vos e exultai” (Mateus 5, 12). Por isso, o Papa Francisco sublinha que a santidade “não implica um espírito retraído, tristonho, amargo, melancólico ou um perfil sumido, sem energia. O santo é capaz de viver com alegria e sentido de humor. Sem perder o realismo, ilumina os outros com um espírito positivo e rico de esperança. Ser cristão é ‘alegria no Espírito Santo’ (Romanos 14, 17)” (n. 122).

Ser santo é uma utopia realista. É cumprir, com alegria, o que Deus quer de nós, de ti e de mim.

 

Manuel Morujão, sj

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