Há cerca de dois meses surgiu, em alguns meios de comunicação online, uma polémica sobre o racismo, a propósito de um artigo da professora universitária aposentada Maria de Fátima Bonifácio, que tinha algumas afirmações racistas algo primárias. Como o assunto do racismo é intemporal, resolvi fazer dele o tema desta crónica e alargar o seu espectro um pouco mais.
Todos nós somos racistas e nenhum de nós é racista. Uso aqui a palavra racista no seu sentido mais amplo de um preconceito de superioridade em relação ao outro por ele ser diferente de mim. Digo que todos somos racistas porque me parece que todos temos áreas em que achamos que valemos mais do que o nosso próximo e em que, de alguma maneira, ficamos inchados com isso. Por outro lado, entendo que não somos racistas e estou a referir-me ao que penso ser o leitor comum destas crónicas porque a nossa cabeça a nossa cabeça, a nossa teoria sabe que um ser humano não é superior a outro no sentido pejorativo desta expressão. (Claro que um especialista numa matéria é superior a um não especialista, mas sabemos que não é por isso que vale mais enquanto ser humano.)
Nós não vivemos numa sociedade oficialmente racista, como por exemplo a nazi, mas vivemos numa sociedade que cultiva um tipo de hierarquia chamada «status». É esse o racismo moderno, que passou a subsumir o da raça.
Normalmente, não pensamos que temos estas categorias na nossa cabeça. Mas elas entram-nos mais ou menos subliminarmente. A sociedade é baseada no «status» e nós absorvemo-lo através dos meios de comunicação mais intelectuais e mais cor-de-rosa, que nos dão as lentes através das quais vamos apreciar o mundo que nos rodeia, através do que ouvimos aos conhecidos e amigos e na nossa família.
(A Igreja, que está no mundo e fora dele, não foge a isso. A Igreja tem uma hierarquia tão rígida e definida como o governo de um Estado. Cada lugar superior nessa hierarquia tem mais «status». Cabe aos membros dessa hierarquia demonstrarem que estão a servir e não se comportarem como príncipes da Igreja.)
Jesus exemplificou o que era o «status» no reino de Deus: servir como os escravos, ou, se quisermos, como os criados das famílias. Ainda hoje são modos de vida sem «status». Foi o que os apóstolos e Paulo fizeram. Se acharmos que estamos a servir, e se estivermos a servir na realidade, a nossa cabeça, aos poucos, vai-se libertando da influência do «status». Se vivermos para nós próprios, aí o «status» vai ser cada vez mais importante.
Gonçalo Miller Guerra, sj
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