Sou daqueles que se emociona com histórias humanas. Umas com finais felizes, outras nem tanto. Contudo, todas, se são bem escutadas, têm o efeito de abrir à conversão. A vida não é coisa pouca, não pode ser. Daí que de vez em quando é necessário viver o tempo que nos permita parar e fazer o balanço da história pessoal, para também perceber onde nos perdemos ou podemos estar a perder de nós mesmos. A rapidez dos tempos atuais faz com que tudo passe a tal velocidade que facilmente as coisas podem resumir-se ao «trabalho – casa» ou «laudes – vésperas», deixando os dias diluírem-se na monotonia. Não dá para viver sempre o extraordinário, mas de vez em quando os seus impulsos ajudam a dar sentido ao quotidiano. Parece-me que tempos que saem do comum, como a Quaresma, são ideais para parar ou descansar, permitindo o silêncio que leva ao encontro. Como proposta, detenho-me nestes três pontos: descanso, silêncio e encontro.
O descanso que permite o silêncio
Morando numa cidade grande, é fácil ver o ritmo frenético com que se vive. Mesmo que o próximo metro venha apenas dois minutos depois daquele que está na estação, são muitas as pessoas a correr até ele como se já não houvesse mais nenhum a passar o resto do mês. A vida, depois, passa também muito rapidamente e quando nos obriga a parar apercebemo-nos de que, ao longo dos dias, fomos perdendo o essencial. Então, porque não começar por aproveitar verdadeiramente o descanso? Este tempo pode ser aquele que nos faz respirar e também «amar a nós mesmos», como nos recorda o mandamento. O descanso é uma necessidade. Desde o famoso descanso ao sétimo dia, passando pelo texto de Qohelet que recorda o «há tempo para tudo», junto com a passagem em que Jesus convida os discípulos a descansar (Mc 6, 31), podemos tomar consciência da importância destes momentos. Há muitas pessoas que têm cada vez menos tempo para si. Podemos dizer que é o ritmo da vida, mas do pequeno ao maior cansaço, ele vai entrando. Pouco a pouco, passa do nível físico ao emocional, depois ao social e, claro, ao espiritual. E é aí que pode entrar o extraordinário e a criatividade, impedindo o cansaço de se apoderar da nossa vida. Às vezes basta ir ao básico e começar por olhar a semana que entra, programando as coisas de forma a eliminar o que impede de ter esse tempo que ajuda a tomar consciência que somos humanos e não máquinas produtivas de algo. E depois de eliminar, perceber o que há a fazer para tornar esse descanso momento de silêncio.
O silêncio habitado da existência
O silêncio é muitas vezes relacionado como ausência de som. No entanto, pode ser de movimento ou de ações. Conseguir fazer silêncio, algo por vezes difícil mas que se aprende, faz com que se possa digerir ou tomar consciência do que somos chamados a fazer ou viver perante os acontecimentos da vida. Há silêncios vazios e há os que são habitados de densidade de existência, que não necessitam justificar que se é alguém a partir do fazer coisas, muitas coisas. O silêncio habitado, ora da história pessoal visitada sem culpabilizações, sem vergonha, sem medos, ora de compreensão para viver humanamente essa existência, ajuda a ir ao essencial. Percebe-se que diante de Deus não há necessidade de provar que se é bom aluno ou bom professor, boa mãe ou bom pai, boa mulher ou bom marido, bom padre ou boa religiosa, mas de viver a riqueza da aprendizagem e a beleza das relações, permitindo o crescimento humano. Nesse silêncio, depois de agradecer a vida, em atitude de crescimento, pode-se ver onde houve erros nas palavras, nos atos ou nas omissões, onde houve a falha que levou à desumanização do entorno.
O encontro que humaniza
Nós somos chamados a humanizar, a ser cocriadores com e em Deus. O descanso e o silêncio bem vividos recordam-nos a vocação do encontro, por também sermos em relação. O encontro estabelecido com muitas ramificações, mais ou menos fortes e simbólicas, com maior ou menor sentido, entre pessoas, pensamentos, linguagens, culturas, modos de ver e sentir, convida-nos a viver, ou pelo menos perceber, outras perspetivas da realidade, saindo, assim, do perigo de absolutizar o meu querer e interesse. O encontro inevitavelmente leva à conversão, abrindo as portas de novos mundos. Ao vivermos a plenitude de nós, nos limites e nas capacidades, em especial nas relações, nesse reconhecimento de cocriação, renovamos o olhar para a vontade divina, fazendo caminho de pacificação entre nós próprios e entre aqueles que nos acompanham.
No final? A Ressurreição
Sou daqueles que se emocionam com histórias humanas, em filmes ou conversas. Bem escutadas, levam a parar e fazer silêncio, nesse encontro que convida à conversão, impedindo o diluirmo-nos na monotonia ou fecharmo-nos no nosso pequeno mundo. A Quaresma bem vivida apresenta uma nova oportunidade de fazer caminho onde, entre o «trabalho – casa» ou «laudes – vésperas», há tanto de Deus a acontecer, deixando-nos encontrar e ser amados por Ele. Nesse impulso, o quotidiano ganhará arejo, dando-nos mais alento e disponibilidade para mais amar e servir quem nos é confiado. Aí, tocaremos Ressurreição.
Paulo Duarte, sj
Artigo retirado da revista Mensageiro – Março 2015