Começo a escrever estas linhas a caminho do dia 13 de Maio, dia em que chegarão ao site do AO. São, pois, elas próprias linhas em peregrinação, acompanhando momentos de fé expressos em cânticos e terços rezados, escondendo, quiçá, sentimentos sofridos em rostos cansados mas com o olhar na esperança de dias melhores para vidas difíceis. São linhas em peregrinação, sobretudo, com os peregrinos a pé que de todos os pontos de Portugal Continental peregrinam histórias pessoais, amparadas umas às outras em comunhão de sacrifício, alento mútuo e partilha de farnel, a caminho do Santuário de Fátima onde Maria espera e acolhe.
A peregrinação a Fátima é certamente encontro pessoal e colectivo, traduzido na emoção das lágrimas, nos lenços brancos e na ternura da despedida enquanto a Senhora é recolhida ao seu altar na Capelinha das Aparições. Mas são, sobretudo, momentos de fé em vidas concretas.
Cada um e à sua maneira, consciente ou inconscientemente, andamos todos peregrinando neste vale de lágrimas (linguagem medieval) como Abraão, que um dia deixou a sua terra em busca duma Terra Prometida onde corria leite e mel, sem deixar de se sentir sempre peregrino em terra estrangeira; ou como Moisés que um dia, também ele, mandado pelo Senhor a conduzir o seu povo pelo deserto do Sinai para fugir à escravatura do Egipto, lhe entregou uma terra e uma pátria em que ele próprio nunca entrou, ficando sepultado no mesmo deserto, chorado embora.
Há peregrinação e peregrinação. Há quem peregrine na vida como Fernão Mendes Pinto, que, no séc. XVI e no horizonte dos Descobrimentos, fez com a vida uma aventura recambolesca pelo Extremo Oriente, deixando-a relatada na obra a que deu pomposamente o título de Peregrinação; mais perto de nós, o escritor António Alçada Baptista, falecido em 2008, quis deixar-nos no vol. I da sua obra Peregrinação Interior a reflexão dum percurso de encontros e desencontros com Deus por dentro de si mesmo. Duas experiências a título exemplificativo de alguém que peregrina na vida.
Outra é, porém, a peregrinação de Inácio de Loiola que um dia se diz e faz peregrino (Autobiografia) a partir do momento em que cai na conta que a vida pode ser posta mais proveitosamente ao serviço de outros ideais que não os que alimentara até lhe partirem uma das pernas. Aqui é a própria vida que se faz peregrinação. É momento único duma experiência que o põe peregrinando pelo caminho de Deus, caminho que acaba por levá-lo para onde nunca imaginara, fundador dos jesuítas.
Mais que peregrinar na vida (muitas vezes não passa de turismo), é a mesma vida que se faz peregrina e em peregrinação a caminho e à espera da novidade do dia seguinte e do seguinte e do seguinte até que Deus venha realizar a passagem (Páscoa) da vida para a Vida.
Aqui a peregrinação traduz-se numa concepção e numa dinâmica de vida humana, de vida cristã e de vida espiritual. Vida sempre aberta ao dia de amanhã, seja ele qual for, contanto que seja o amanhã de Deus reservado para cada um de nós.
A. da Costa Silva, sj