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Pedofilia, Celibato dos Padres e Encobrimento

Tenho lido várias afirmações de articulistas da nossa praça, e também de alguns setores da Igreja, no sentido de ser preciso repensar o celibato dos padres – até há quem defenda que num Concílio – porque os crimes de abuso de menores pelo clero seriam em grande parte causados pelo celibato. Segundo estes articulistas e estes membros da Igreja, o casamento dos sacerdotes em muito diminuiria a pedofilia entre o clero. O problema é que a maior parte das relações pedófilas se dão com pessoas do mesmo sexo. No seu artigo de 8 de setembro deste ano «A Igreja às Portas do Inferno», saído no Observador, o Padre Gonçalo Portocarrero de Almada cita Robert Barron, bispo auxiliar de Los Angeles, quando este diz: «Seria certamente injusto, […] considerar a homossexualidade como a causa principal do escândalo, mas também não se pode ignorar que uma percentagem significativa dos abusos por clérigos foram cometidos em pessoas do mesmo sexo. Ora, pela lógica de que o casamento diminuiria a pedofilia, então os padres também teriam que se casar com pessoas do mesmo sexo, o que não é viável nem para padres nem para não padres».

Então, o que é que causa a pedofilia? A pedofilia é uma doença. É uma doença mental que atinge um por cento da população. Crime é o abuso das crianças. Há vários crimes que são cometidos por doentes mentais. E há doentes mentais que ao sentirem em si propensão para o crime pedem ajuda a psiquiatras. Assim deve ser com o pedófilo. (Hoje em dia já há locais próprios para isso.) A doença não tem cura mas os impulsos que gera podem ser controlados.

Quanto ao encobrimento e à quantidade dos crimes. Bastava ser um para ser um crime e uma mancha indelével no corpo da Igreja. No entanto, é preciso termos a perspetiva que os títulos da imprensa não dão. Quando a imprensa nos diz que com padres alemães houve três mil e 700 crimes de abuso ficamos a pensar que foi agora. Só no interior do artigo é que nos esclarecem que são dados que vêm desde 1946.

No dia 12 de setembro deste ano, o Observador trouxe um artigo de que cito esta passagem, por sua vez tirada do Jornal de Notícias (JN): «Nos primeiros seis meses do ano, cinco crianças foram vítimas de crimes sexuais diariamente e foi registada mais do que uma violação por cada 24 horas. Os dados são da Polícia Judiciária (PJ), que indica ainda que, dos mil 518 casos relacionados com abuso e coação sexual, lenocínio, pornografia, prostituição ou violação, 885 envolveram crianças e adolescentes e a maior parte foi perpetrada por familiares ou alguém próximo». (Quantos terão sido na Alemanha, com uma população oito vezes maior que Portugal, entre 1946 e 2014, âmbito do estudo? É preciso pôr as coisas em perspetiva.) Esta notícia do JN, quanto mais não fosse, parece-me argumento suficiente para se replicar que o casamento dos sacerdotes não é nenhum antídoto contra a pedofilia.

Várias pessoas, na Alemanha e em Portugal, dizem que os números apresentados pela Igreja são só a ponta do iceberg, porque a Igreja é uma sociedade que se fecha sobre ela própria. Mas o que se passa com as famílias é muito mais que a ponta do iceberg, pois não há um corpo de pessoas que tenha recebido as denúncias, ponhamos de 1946 até aos dias de hoje. Os casos eram pura e simplesmente abafados e as famílias não têm registo, como há na Igreja. Mesmo que tivessem, não há a ferocidade da opinião pública para se investigar relatos que nas famílias houvesse de avós, bisavós, trisavós, tios, etc. A Igreja tem uma instituição em que é possível fazer isso. (Outras instituições haverá, mas parece que a «opinião pública» não se interessa por mais nada que não seja a Igreja Católica. Porque será?)

A Igreja encobriu por várias dezenas de anos, e com certeza séculos, os crimes de abuso. Foi mal. Foi muito mal e a sociedade civil tem razões para estar enfurecida. Mas também era bom que os jornalistas, que são pessoas cujo dever é relatar e refletir, dissessem que até há pouco tempo ninguém denunciava abusos de menores. E a Igreja funcionou dentro dessa concha de silêncio. Nem pior nem melhor.

Acabo de saber pelo Observador (26.9.18) que o Papa disse o seguinte no avião que o trouxe de Talinn (Estónia) para Roma: «”Em tempos antigos, estas coisas encobriam-se. Mas também em casa, quando o tio abusava de uma sobrinha, ou quando o pai o fazia com os filhos. Era uma vergonha muito grande”, disse o Papa Francisco». E a notícia diz que o Papa «sublinhou a importância de interpretar os “factos históricos” com “a hermenêutica da época em que sucederam”». Pois. E um jornalista não saberá isto? Não aprenderá isto na escola?

Uma última nota. É preciso rezar pela conversão dos criminosos e também para que lhes seja facultado tratamento adequado. Não basta isolá-los, porque eles continuam com aquele impulso desregrado. É preciso facultar-lhes o tratamento adequado. E rezar pelos que estão no purgatório. Cristo veio para os pecadores. E nós?

Caro leitor, expressei a minha opinião. Espero ter contribuído para a opinião do leitor.

 

Gonçalo Miller Guerra, sj

Fotografia de: Kat J disponível em Unsplash.com

 

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