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Os nossos pais em lares?

Caríssimo leitor,

Hoje vou abordar um tema difícil. O de se pôr ou não os pais num lar. Tenho tido conhecimento de algumas situações menos boas que me levam a escrever sobre este assunto.

Há situações – e espera-se que sejam muitas – em que tudo corre bem, ou o melhor possível, dadas as circunstâncias. Mas tenho conhecido vários exemplos deste género: os pais, enquanto saudáveis, massacram os filhos com a ideia de que pôr um pai num lar é a pior coisa que se lhe pode fazer; é uma ingratidão da pior espécie e não é digno de um filho que ama os pais etc., etc. Ou, tão somente e apenas, dão a ideia de que num lar vão sofrer horrores. Outras vezes, são os filhos que acham que pôr os pais num lar é a última das desconsiderações. De tal maneira que prometem aos pais, ou a si mesmos, que nunca os porão num lar. E aqui podemos ter o primeiro problema. Suponhamos que foi a filha que fez essa promessa. Antes de a fazer, consultou o marido? Lembrou-se que a sua vida já não era a sua vida mas a vida de dois? Lembrou-se que tem uma família? Falou com Deus sobre isso? Consultou a sua consciência? (O mais provável é que tenha decidido com o coração nas mãos, sem pensar nas consequências da sua promessa.) O mesmo se pode dizer do marido que traz o Pai para casa. A mulher não se opõe porque não quer ser apelidada de desumana, insensível, e não quer arranjar um conflito, que seria muito grave, entre os elementos do casal. Que consequências têm essas decisões?

Às vezes, as pessoas tomam a decisão de pôr os pais num lar quando já não os podem ter em casa. (Há, também, pessoas que contratam uma senhora com habilitações próprias para viver com o doente em casa, o que requer condições económicas fora do comum.) Mas não é destes casos que quero falar.

Eu quero falar do seguinte: o Pai fica viúvo e a filha trá-lo para casa. A certa altura, o Pai chega a um grau avançado de demência. Fica mal educado, começa a fugir de casa, está acordado de noite, dorme de dia, etc. A filha começa a não descansar de noite e de dia tem o seu trabalho. Há alguém que vai olhando pelo Pai durante o dia, mas assim que a filha chega a casa é completamente absorvida pelo Pai. É preciso lavá-lo e andar permanentemente atrás dele. (Ou amarrá-lo.) Está sempre a chamar e, embora sendo mal educado, a filha tem muita dificuldade em ralhar com ele porque afinal é o Pai dela. O marido e os filhos tratam das coisas da casa mas deixam de ter a atenção da mulher e da Mãe, exausta e completamente absorvida pelo Pai. A certa altura, a senhora começa a ir-se abaixo, não só fisicamente como psicologicamente. (Começa a deprimir ou a apresentar sintomas psicossomáticos). Mas como prometeu que nunca poria o Pai num lar, vai aguentar «até cair para o lado», claro que arrastando a família consigo: o marido também anda mais irritado, os miúdos mais irrequietos e os professores da escola já perguntaram o que é que se passa porque o comportamento deles mudou. Caro leitor, o que eu sei desta história verdadeira acaba aqui.

Há pessoas que, quando amam (ou, mais precisamente, quando julgam estar a amar), deixam que o seu coração as domine por completo. Quero dizer, pensam com o coração e não com o coração e com a cabeça. Ora o amor é feito de sentimento e de pensamento. Não se pode exagerar nem para um lado nem para o outro. Vou dar-lhe dois exemplos que o leitor conhece bem: sabe, aquelas pessoas que toda a gente vê que vão casar com a pessoa errada mas, quanto mais se lhes diz isso, mais elas se aferram à sua ideia? É o caso típico da pessoa que não consegue pensar. «Virou» para ali e não há nada a fazer. O exemplo contrário é o daquela pessoa que pensa, pensa, pensa, pensa e volta a pensar, nunca chegando a casar porque nunca teve a certeza absolutíssima que aquele fosse o companheiro idealíssimo, perfeitíssimo, sem mácula. Aqui, temos uma pessoa que não deixa o seu coração vir ao de cima. Tem medo. A primeira pessoa atira-se a um poço sem pensar. A segunda não atravessa uma passadeira «no verde» com medo que venha de lá um camião TIR descontrolado. Amor que não é equilibrado não é amor, é cegueira.

Em minha opinião, é preciso não fazer pelos nossos pais já velhinhos coisas que não respeitam a lei de Deus. E qual é a lei de Deus? É o que nos diz Jesus nos três evangelistas Marcos, Mateus e Lucas: «Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. Amarás o teu próximo como a ti mesmo». O leitor repare que Jesus nos diz, em três evangelistas! (não é só num), que temos de amar o próximo como a nós mesmos. Quer dizer, amar o próximo mais do que a nós mesmos é contra a lei de Deus, porque vai contra o amor que temos que ter por nós próprios. No exemplo que dei, a filha não se respeitou, levando toda a família a rastos.

Claro que decisões como estas podem ser lancinantes. Claro que, chegada a altura, pôr um Pai ou uma Mãe num lar pode ser dramático, mas é por isso que temos que rezar sobre elas, refletir, falar com outras pessoas, tentar prever o futuro.

Caríssimo leitor, hoje quis ajudá-lo a pensar no que lhe pode acontecer se não pensar antecipadamente e de «cabeça fria» no cuidado a ter com as pessoas de idade da sua família. (Se já fez alguma daquelas promessas insensatas, fale com alguém da sua confiança ou com um sacerdote, se é crente.)

Espero ter dado um contributo válido.

 

Gonçalo Miller Guerra, sj

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