É fácil falar de paz quando nunca se viveu a guerra. É fácil falar de amor quando se vive rodeado de amor. Surpreendente, inquietante e verdadeiramente cristão é ouvir falar de amor quem, vítima da guerra e do ódio, perdeu o amor da sua vida, a mãe do seu filho de 17 meses.
Vocês não terão o meu ódio é o título da carta que Antoine Leiris, jornalista na rádio France Bleu, escreveu aos terroristas que mataram a sua mulher, Hélène Muyal, de 35 anos, e mais 129 pessoas nos atentados do dia 13 de novembro em Paris.
«Na noite de sexta-feira vocês roubaram a vida de um ser excecional, o amor da minha vida, a mãe do meu filho, mas vocês não terão o meu ódio. Não sei quem são e não quero sabê-lo, vocês são almas mortas. Se esse Deus pelo qual vocês matam cegamente nos fez à Sua imagem, cada bala no corpo da minha mulher foi uma ferida no Seu coração», diz Antoine na carta.
E prossegue, «responder ao ódio com a cólera seria ceder à mesma ignorância que vos fez ser quem são. Querem que eu tenha medo, que olhe para os meus concidadãos com um olhar desconfiado, que sacrifique a minha liberdade pela segurança. Perderam. Continuamos a viver da mesma maneira».
Antoine, no meio de uma dor profunda, consegue manter a mente, o coração e a alma sãos e uma fé intocável: «Sei que ela (Hélène) nos acompanhará todos os dias e que nos vamos reencontrar nesse paraíso das almas livres ao qual vocês nunca terão acesso».
Este homem destroçado dá-nos, a cada um de nós, uma extraordinária lição de vida e de coragem ao recusar-se a ficar refém do ódio dos terroristas e ao afirmar que vai educar o filho para ser livre e feliz. «Somos dois, eu e o meu filho, mas somos mais fortes do que todos os exércitos do mundo», escreve Antoine.
É impossível não ver Deus no coração de Antoine, porque só Deus consegue ser amor e vida desta forma. Deus é amor e quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele (1 João 4,16).
Vejo em Antoine a imagem de Jesus feito homem, que ao ódio, ao sofrimento e à calúnia respondeu com amor até à Cruz, pela salvação da Humanidade. Só com um discernimento como o de Antoine é possível salvar a Humanidade. O medo impede-nos de cumprir a nossa missão, a guerra não se resolve com a guerra e o ódio nunca será caminho para a paz.
Ao reagir ao ódio com liberdade e amor, Antoine é a imagem de Deus vivo, misericordioso, em tudo diferente das caricaturas de Deus assumidas pelos terroristas, um “Deus” que se afirma pelo mal e pela morte.
Na exortação apostólica A Alegria do Evangelho”, o Papa Francisco diz que «o amor, como ato de criação, opõe-se, em absoluto, à morte. Amor de Deus, mas também, nesta nossa carnal dimensão, amor dos seres humanos. A possível vida eterna em Deus, com Deus, ou é este amor ou não é, de todo». E acrescenta: «quem ama não tem medo seja do que for, pois já está vivendo a alegria da eternidade, já é imortal». É o caso de Antoine.
Elisabete Carvalho