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Novembro bem merece uma reflexão

Hoje, dia em que começo esta nota, o tempo está tristonho e fechado, com sabor melancólico. Dizem que é outono e outono é assim, e, porque é assim, até deu aso à expressão “outono da vida” para descrever a velhice. novembro coube-lhe nascer aqui, emparedado entre um pré-anúncio de fim de alguma coisa e começo de algo que quer nascer. Naquela árvore a despir-se lentamente das folhas amarelecidas caindo abandonadas no passeio, ou nos dias mais pequenos onde a noite parece ter pressa em engolir o dia e a escuridão em matar a luz, há qualquer coisa que novembro quer esconder sem esconder e mostrar sem mostrar, contentando-se com apontar para a folha nova que irá nascer, para outro dia com luz, até chegar, espero, o “Dia sem Ocaso” e a “Grande Luz” profeticamente anunciada em Isaías: “Um povo que andava nas trevas viu uma grande luz”. Sabemos a Quem se referia. Mais do que morrer, novembro parece fermentar vida futura.

Em termos litúrgicos, abre com a celebração da Vida plena (Solenidade de Todos os Santos), imediatamente seguida da lembrança da Morte na Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos (“Mês das Almas”, gosta de lhe chamar a piedade popular), para fechar o mesmo ano litúrgico com o Triunfo de Cristo Rei, saído vitorioso da morte como Senhor Ressuscitado. Desta forma “fecha”, “abrindo” tempo novo em que a Vida vence a Morte, deixando-nos o fim do ciclo litúrgico aberto em esperança e como Esperança que o Credo recolhe no seu último artigo de fé (“Espero a ressurreição dos mortos e a vinda do mundo que há de vir”). Será tempo sem tempo, será “Vida Eterna” (que dura sempre), será o “aqui” aberto ao “além” desta vida onde habita o mistério de Deus e do Homem, alargando os horizontes da vida humana, e, mais importante, dando-lhe sentido. A vida não acaba, apenas se transforma (recebe outra forma) de mortal em imortal. Acaba “esta” vida, não acaba “a” vida.

Este “além” sempre foi, é e será uma questão essencial, inquietante e incontornável para o homem em geral e para cada um de nós em particular, caso não queira (não queiramos) fazer desta vida um absurdo qualquer à boa maneira de Sartre. A história tem tentado responder-lhe com a reincarnação e a imortalidade. Em ambos os casos a outra vida fica fora de mim, quer recomeçada noutro (reincarnação), quer prolongada noutros, de geração em geração (imortalidade). novembro fecha para abrir o Natal, o mesmo é dizer o Nascimento de Alguém que dirá de si mesmo: “Eu Sou a Ressurreição e a Vida”, abrindo com Ele o meu amanhã onde serei Eu e não outro ou lembrança de outros.

É este “além” que explica os martírios dos irmãos Macabeus de que fala a Bíblia perante as exigências de apostasia por parte do rei sírio (“Vale a pena morrer às mãos dos homens, quando temos a esperança em Deus de que Ele nos ressuscitarᔠ– 2Mac 7, 14) e de tantos mártires ao longo da história da Igreja. O verdadeiramente trágico não é o que acontece a esta vida ou nesta vida, mas o que sobra para além dela; o trágico não é morrer, mas ficar na morte. Por isso aqui fica a minha profissão de fé na ressurreição dos mortos e a vinda do mundo que há de vir, traduzida em palavras da 2Ped 7, 14: “Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos céus novos e uma nova terra, onde habite a justiça”. São palavras de esperança. Com ela faço votos que novembro nos entregue um bom dezembro, onde o Senhor quer vir ao nosso encontro, para connosco continuar a ser o Caminho dos nossos caminhos na senda desta Esperança.

P.S.: Hoje, dia em que termino a nota, o tempo está solarengo, embora frio. Nem de propósito.

 

A. da Costa Silva, sj

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