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Notas aparentemente desconexas

Da minha janela vi (algum) futuro. E que vi eu? Uma senhora relativamente jovem, com um filho de uns quatro anitos, quando muito, tentando puxar um carrinho de bebé com o maninho dentro, tudo sob o olhar atento da mãe. Encantou-me o olhar sorridente da senhora. Do outro lado do passeio caminhava uma senhora idosa, de bengala numa das mãos enquanto a outra segurava um saco de papel reciclado com o pão comprado na padaria ali perto. Imaginei-lhe a solidão no arrastamento do andar e do tempo a fugir, apoiados na bengala e no pão “de cada dia”. Nestas duas cenas vi dois mundos no mesmo mundo que o Senhor nos deu. Vi passado e futuro, um a fugir do outro e a caminharem por caminhos e horizontes diferentes.

Em Roma decorre o Sínodo dos Bispos sobre a Família, esperando que, como previsto, chegue a bom porto, no dia 25 deste mês de outubro e traga boas notícias para a crise profunda por onde estão a passar as nossas famílias e os nossos casais. A Agência Ecclesia vai noticiando o que de importante por lá vai acontecendo. Ecos do acontecimento na comunicação social poucos, nem outra coisa, aliás, é de esperar a não ser que mais algum escândalo aconteça e o Papa Francisco tenha de aparecer a pedir perdão. Os tempos estão vazios de sentido e cheios de barulho e vacuidades. Pelo país brinca-se à política, mesmo sabendo que as contas a pagar estão a caminho. É o “presente” que o presente tem para nos oferecer.

“Brincar”, escrevi. Elisabete Carvalho titulava a sua nota neste mesmo espaço: “As crianças precisam de brincar”. E tem razão. Mas há um “senão”, porque brincar é coisa que elas não sabem fazer. Quando a criança brinca com a sua boneca, está a levar muito a sério a brincadeira. Se lhe tiras a boneca, mesmo em jeito de brincadeira, começa logo a chorar. Quem brinca são os adultos. E brincam com coisas muito sérias. É por isso que o mundo está como está. Brincam com as armas e as guerras, como brincam com os sentimentos e os amores, casando, descasando e recasando. Até brincam com a família e com a conceção dos filhos.

Ocorre-me o poema de Carlos Queirós a que deu o título de “Canção Inocente”: “Menino, queres ser meu mestre? Contigo tinha tanto que aprender…”. Temos muito a aprender com o “menino” do poema. A criança não faz de conta que “brinca”, brinca mesmo; não faz de conta que acredita, acredita mesmo. Daqui o cuidado a ter por parte dos pais com as histórias da carochinha, dos Pais Natal e das chaminés, para não falar dos meninos trazidos pelas cegonhas. A criança quando confia, confia mesmo. Com o pai ou a mãe vai até ao fim do mundo, até ao momento em que por desilusão deixa de ter confiança neles. Penso na frase evangélica: “Se não vos tornardes como crianças não entrareis no reino dos Céus”. Julgo que a frase tem muito a ver com tudo isto. Para quem tem fé, evidentemente.

Seja como for, e apesar do pessimismo reinante, prefiro ver futuro no carrinho de bebé com que iniciei este texto. Que mais não seja, porque Deus está connosco e vai naquele carrinho também. “Menino, queres ser meu mestre?”

 

A. da Costa Silva, sj

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