“Nem Quero Crer” é o título de um dos livros do P. Vasco Pinto de Magalhães, sj. Lembrei-me deste título e deste livro por causa do falecimento, a que a comunicação social deu tanto realce, do astrofísico Stephen Hawking, aguerrido defensor da não existência de Deus; como me lembrei dum amigo de longa data que se dizia também não acreditar na existência de Deus, mas sempre preocupado em discutir comigo a sua existência. Um dia respondi-lhe: “Se não acreditas na Sua existência, porque andas tão preocupado com ela?”. Dá que pensar! Mas lembrei-me também de Wittgenstein, autor do famoso “Tratado Lógico-Filosófico” e da célebre frase: “O que se pode dizer, pode ser dito claramente; e aquilo de que não se pode falar, tem de ficar no silêncio”.
Wittgenstein era um filósofo e arquiteto austríaco naturalizado inglês, falecido na Inglaterra, em 1951; ali fizera o seu percurso académico, começando na lógica da “filosofia das matemáticas”, evoluindo para uma filosofia da existência humana (“filosofia da alma”) para terminar na “filosofia da linguagem”. Amigo e colega de Bertrand Russel nas lides académicas, também este filósofo e matemático, o tal que viria a escrever o livro “Porque não sou cristão” tão em voga há uns anos atrás. Este terminou “não crente”; aquele desistiu da vida académica para ir ensinar em escolas elementares das aldeias perdidas dos Alpes Austríacos, e ali viver “no silêncio” a convicção da frase citada. De facto, do que não sabemos falar, o melhor é calar. Ou “guardar no coração” como Maria, a Mãe de Jesus.
Para este filósofo, a linguagem descritiva não consegue expressar realidades como o sentido da vida, os valores, a ética e a fé. São realidades que estão para além dos limites dessa linguagem; estão fora do factual e, como tal, para além da linguagem científica. Há que recorrer a outra linguagem, à linguagem “testemunhal”. Daqui a sua crítica cerrada aos filósofos positivistas que afirmavam que o importante da vida era aquilo de que se podia falar “cientificamente”. Wittgenstein afirmava precisamente o contrário: “O que importa realmente na vida, é precisamente aquilo que devia calar”. A Ciência “demonstra”, a linguagem testemunhal “mostra”. Foi esta convicção que o levou a abandonar a vida académica e partir para os Alpes Austríacos, como forma de expressar a sua fé em gestos e atos testemunhais, convencido como estava de que não há doutrina que substitua o exemplo. A fé dificilmente se expressa em palavras, mas pode e deve “dizer-se” na vida e com a vida.
Volto ao livro do P. Vasco (3ª edição, março de 2006, Ed. Tenacitas), livro que recomendo vivamente e donde, para abrir o apetite, tiro três citações: “Este livro pretende ser um Catecismo para Crentes e não ‘Querente’“; “Não há crer sem querer, nem querer sem crer”; “A fé como o amor não é um sentimento, é uma decisão”. Trocando por miúdos, só acredita quem quer acreditar. Estamos muito para além da razão (não é que não a suponha); estamos no campo da liberdade e da adesão da vontade onde a pessoa “toda” adere “toda” ou não adere. Não resisto à última frase da Apresentação do livro, feita pelo próprio (p. 14) donde aliás tirei estas citações: “Resta-me desejar que este livro cumpra o seu ‘papel’! Deus faz o Resto. Creio”. Sublinho a palavra “Resto” com “R” em maiúscula; nela está a graça da fé que nos é oferecida, em última instância, como “Dom” na Pessoa de Jesus Cristo. Como gostaria de sublinhar o “Creio” do autor em resposta livre e pessoal a que me associo.
E como estamos a aproximar-nos do grande “Mistério” da nossa fé, ponho-me a caminho da Piscina de Siloé, conduzido pelo evangelista S. João (Jo 9) ao encontro do “Cego de Nascença” em diálogo com Jesus depois de curado da sua cegueira: “‘Tu crês no Filho do Homem?’ Ele respondeu: ‘E quem é, Senhor, para eu crer nele?’ Disse-lhe Jesus: ‘Já o viste. É aquele que está a falar contigo’. Então exclamou: ‘Eu creio, Senhor!’ E prostrou-se diante dele” (Jo 9, 35-38). Se, por um lado, acompanho agradecido o Creio do P. Vasco, por outro, junto-me reconhecido ao gesto do cego da piscina de Siloé que agora vê, para com ele, “prostrado” exclamar: “Eu creio, Senhor!”. E já agora “Aumentai a minha fé!”.
A. da Costa Silva, sj