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Lágrimas que “rezam”

“Com a alma cheia de amargura (…), derramando muitas lágrimas”, Ana rezava “no coração” (1 Sam 1, 10-13) ou, melhor dito, não rezava, eram as lágrimas que rezavam nela e por ela. Estamos no começo da história dum menino chamado “Pedido ao Senhor” que é o que o nome “Samuel” significa. Ana cujo nome, por sua vez, significa “Favor”, é a mãe de Samuel que encontramos no santuário de Silo derramada em lágrimas e a rezar “no coração” angustiado e com a alma cheia de amargura, pedindo um filho; Samuel será esse “favor” concedido, a “prenda” que Ana agradecerá de seguida e em jeito de magnificat: «O meu coração exulta de júbilo no Senhor» (1 Sam 2, 1).

Outra Ana será, segundo a tradição, nada menos, nada mais a mãe de “A cheia de Graça” (Maria) e avó do “Menino” (que) nos foi dado”, o “Todo Graça” de cuja “plenitude todos nós recebemos graça sobre graça”. Menino esse que andámos a celebrar na quadra fria deste Natal, onde também não faltou o cântico de magnificat que Maria plagiou de Ana, mãe de Samuel, para agradecer o “Dom” acolhido e O entregar de “presente” às gerações vindouras, “de geração em geração”; como Ana será o nome da profetisa de “idade muito avançada” que, depois de casada durante sete anos e viúva desde então, matou as lágrimas da solidão com “jejuns e orações” no templo de Jerusalém, onde a encontramos no momento certo a “louvar o Senhor” (o seu magnificat) e a “falar do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém” aquando da Apresentação de Jesus no Templo.

Podíamos ainda falar da Ana, mulher de Tobite e mãe de Tobias que, na cegueira do marido, não apenas “lutou” trabalhando arduamente em labores femininos para sustentar a casa com o seu ordenado, como ainda teve de arranjar forças para aguentar as desconfianças vindas da honestidade do próprio marido. Mulheres fortes. (E, já agora, lembrar tantas “Anas” que, no meio de lágrimas amarguradas, “oram no coração ao Senhor”, pedindo o “favor” dum filho como “presente de natal”, quando humanamente parece impossível; e já agora dizer-lhes que não desistam, “porque a Deus nada é impossível”).

Dizem que as mulheres têm a facilidade das lágrimas. Maria chora “de pé” no alto da cruz, Maria de Magdala chora perdida junto ao túmulo em busca do Senhor Ressuscitado. Choram (concluo eu) porque não conseguem viver longe do coração. Sem menosprezo para os homens, evidentemente. É que o coração chora, a razão justifica, se é que consegue justificar o choro; o coração “fala” e entristece-se, as palavras “dizem” e tentam expressar a tristeza; da mesma maneira que o pai sabe (quando sabe!) que é pai, mas a mãe, essa sabe que é mãe porque sente que é a mãe. Sabe e sente que “um filho lhe foi dado”. E até chora de alegria. Benditas lágrimas. São oração de vida no coração da vida. Às vezes é a única coisa que nos salva neste “vale de lágrimas” tão cruel em que a sociedade se está a transformar sob a capa de progresso tecnológico, neste tempo dos robots que fazem já quase tudo. Até dispensam o coração.

Um agradecimento à minha avó Ana e a minha mãe que não o sendo soube ser “Ana”, pelo “dom” que fui e gostaria de continuar a ser. E que rezem por mim junto do Pai. Agora, já sem lágrimas.

 

A. da Costa Silva, sj

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