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Jogo de interesses sem princípios

1. Quando alguém, indivíduo ou comunidade, coloca os interesses no lugar dos princípios, e persiste assim, ao ponto de os interesses se tornarem os princípios, a falência moral e também material é inevitável. É altura de dizer que o nosso país, após muitas tentativas, umas mais conseguidas do que outras, deu o passo em falta neste caminho, depois das recentes eleições legislativas.

2. Que, nestes dias de “apagada e vil tristeza”, agentes e partidos políticos conhecidos pelo extremismo ideológico tenham feito tábua rasa dos seus princípios, compreende-se. Eles não esquecem nada nem renunciam nunca aos princípios – mas estes podem esperar, pois antes é preciso chegar ao poder. Noutros casos, porém, e mesmo não sendo politicamente ingénuos, não tem sido possível deixar de se sentir enojado com o modo como certos dirigentes políticos renegaram num ápice aquilo que pareciam princípios inabaláveis a nortear a sua ação e a história política do próprio partido.

3. Pode sempre argumentar-se que o jogo político é mesmo assim. Esse, porém, é um argumento hipócrita e desculpabilizante. Se o jogo político é assim é porque quem o joga é assim e não o contrário. Mais ainda. Se o jogo político é assim e os principais políticos – nós, os cidadãos – toleramos que seja assim anos a fio e continuamos a dar a nossa confiança a quem assim joga, então os principais responsáveis pelo modo de jogar somos nós.

4. Chego, deste modo, ao ponto principal desta reflexão. Uma parte dos cidadãos deste país – estatisticamente, uma parte significativa – é católica. Logo, uma parte significativa daqueles que devem ter sempre presente a preocupação com a polis (a cidade, o país) e o seu governo deveria constituir-se em massa crítica suficiente para impedir que o país seja ciclicamente levado à ruína porque alguns erigem os seus interesses em princípios e subordinam tudo, até o presente e o futuro do país, à “glória de mandar” e à “vã cobiça”.

5. Infelizmente, tal não acontece. Subverte-se o resultado das eleições e nada acontece. Anuncia-se um governo com um programa que não foi votado por ninguém e há quem bata palmas, porque foi anunciado mais um “bodo aos pobres”, daqueles que têm como horizonte a bancarrota económica e moral do país. E nós, a tal massa crítica que afinal não existe para coisa nenhuma, continuamos a “ir à nossa vida”.

6. Tudo isto diz muito sobre aqueles em quem votamos (ou não votamos de todo), mas diz ainda mais sobre nós e sobre o modo como, enquanto católicos, olhamos para as nossas responsabilidades políticas. Diz o Papa Francisco que fazem falta católicos na política, daqueles que não hesitam em sujar as mãos, no bom sentido, em metê-las na terra para a revolver e tornar melhor. Afinal, Jesus mandou dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, mas nunca disse que estávamos dispensados de nos ocuparmos daquilo que é de César, pois aquilo que é de César, antes de ser de César, é nosso.

 

Elias Couto

Atualidade

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