Há imagens que chocam e calam fundo bem dentro de nós, magoando sentimentos que, calados, nos acompanham ao longo dos anos sem saber o que fazer deles nem como apagar-lhes a imagem provocadora que tanto magoa e nos magoa. Quem não se lembra da imagem daquela criança etíope, nua, só pele e osso com o ventre dilatado pela miséria e pela fome? Calada continua gritando, apesar de tantos anos decorridos, e a falar-nos de lutas fratricidas, de catástrofes naturais e de jogos de poder. A palavra pode agredir, ofender e destruir honras e famas com verdades ou mentiras; a imagem, porém, fala sempre calada em sentimentos indefesos e magoados. Da palavra podemos defender-nos com outras palavras, com a justiça ou com a nossa verdade; das imagens, essas, mesmo quando repudiadas, continuam depositadas em sentimentos feridos, acusadoras e inquietantes embora, mas sempre destruidoras do que há de mais sagrado na pessoa humana.
Da visita do Papa Francisco às Filipinas ficou-me precisamente uma destas imagens que magoam e nos magoam. Refiro-me àquela rapariga/criança, de doze anos (dizem), que a pobreza atirou para a rua e para a prostituição. Aquele gesto de agarrada ao Papa transporta um monte de sentimentos num grito abafado de auxílio em busca de carinho e protecção que nos devia envergonhar como pessoas civilizadas. E não venham com estudos sociológicos para explicar e justificar o que é inexplicável e injustificável. Repugna-me pensar que por trás disto tudo corre dinheiro, exploração e muita crueldade, o que não apenas é indigno por ser desumano, como faz de nós infernos uns dos outros, dando razão à pouca razão de Sartre.
Não sei que dizer das caricaturas de Maomé, tão pouco sei como combater o fanatismo islâmico, muito menos quero ter opinião sobre o que é isso de liberdade de expressão, mas sei que magoam sentimentos profundos, que ofendem pessoas e matam irmãos. E isto me basta para me deixar de fora de manifestações a favor ou contra, com reacções emotivas que só confirmam e radicalizam posições de um lado e do outro, criando as condições para novos atentados e barbáries e, com eles e com elas, nos fornecerem novas imagens carregadas de sentimentos magoados em muitos irmãos nossos e na consciência colectiva dos povos.
Por isso e por causa disso, não me falem em liberdade de expressão, signifique ela o que quer que seja, porque a esse respeito estamos mais que conversados. Ponto final. Liberdade que mata ou leva a matar o que há de mais nobre na pessoa humana, como são os seus sentimentos, e não me refiro apenas aos sentimentos religiosos, não, muito obrigado.
A. da Costa Silva, sj