Tratar da nossa forma física é obra deveras meritória. Não somos um embrulho de carne e ossos. Somos uma obra de arte com a assinatura de Deus criador. Merecemos obras de restauro e embelezamento. Caminhar ou correr, ginástica e fisioterapia, comer e beber com o gosto do equilíbrio, são exercícios deveras aconselháveis. Mas a nossa dimensão mais profunda, o mais íntimo do nosso íntimo também precisa de ser exercitado. Precisamos de espírito-terapia, porque, como recorda o poeta Carlos Queiroz Ribeiro, Ver só com os olhos / É fácil e vão. / Por dentro das coisas / É que as coisas são.
Estamos a caminho do Natal, nesta quadra que chamamos Advento. Este termo foi tirado da linguagem civil, e referia-se à chegada de um personagem importante, como o imperador ou um general. A liturgia assumiu esta palavra para significar a preparação da chegada do Rei dos reis, o Senhor dos senhores: Jesus Cristo, que nos surpreende nascendo numa gruta. Originalidades amorosas do poder infinito de Deus.
O Catecismo da Igreja Católica recorda-nos, nesta quadra, o exercício da virtude da esperança: Ao celebrar anualmente a liturgia de Advento, a Igreja atualiza a espera do Messias: participando da longa preparação da primeira vinda do Salvador, os fiéis renovam o ardente desejo de sua segunda Vinda (n. 524). Mas esta esperança deve exercitar-se também numa dimensão horizontal: sabendo esperar esperançosamente por aqueles que fazem parte da nossa vida e que, com os olhos da fé, nos visibilizam o próprio Senhor Jesus.
Um homem sem esperança é um homem morto, como recorda sabiamente Einstein. Sem esperança, torna-se uma paixão inútil, segundo a expressão de Jean-Paul Sartre. Mas um cristão tem de aspirar à vida abundante, sendo no mundo uma paixão superlativamente útil, sabendo esperar contra toda a esperança, como nos adverte S. Paulo, quando somos provados e desafiados a esperar mesmo quando parece termos chegado a um beco sem saída.
O tempo do Advento é particularmente propício para fazermos um exame ou uma ecografia espiritual à nossa esperança. Acredito que vale a pena esperar, mesmo quando as coisas correm mal? Os meus pensamentos e palavras, os meus atos e estilo de vida irradiam confiança e esperança? Acredito que os outros podem ser melhores, oferecendo-lhes presentes de esperança?
O mundo pode dividir-se em dois: os que querem e sabem esperar; e os que não sabem ou não querem esperar. Aproveitemos especialmente a quadra do Advento como um ginásio para exercitarmos a esperança. Aconteça o que acontecer, importa praticar a espírito-terapia da esperança. Assim nos exorta Erich Fromm em A revolução da Esperança: Aqueles cuja esperança é fraca, decidem pelo conforto ou pela violência; aqueles cuja esperança é forte, veem e apreciam todos os sinais da nossa vida e estão prontos a todo o instante para ajudar no nascimento daquilo que está pronto para nascer.
É muito aconselhável para a saúde ecológica das nossas famílias, comunidades, paróquias e grupos uma campanha de relativização dos sinais negativos de desânimo e pessimismo, desesperança e desilusão; campanha de valorização dos sinais positivos de esperança e otimismo, ânimo e coragem.
A esperança objetiva-nos, torna-nos eficazmente realistas. Usando uma imagem de Fernando Pessoa, nas Quadras ao gosto popular, precisamos de subir à torre da esperança, para termos a visão certa dos acontecimentos e do mundo: Do alto da torre da igreja / vê-se o campo todo em roda. / Só do alto da esperança / vemos nós a vida toda. O desesperançado vê tudo como não é: mais sombrio, mais trágico, menos bom. A esperança não se dá bem com quimeras e gosta de propósitos; a esperança é inimiga das miragens e amiga dos planos; a esperança segue por outros caminhos que as utopias e os sonhos, pelos caminhos dos valores e ideais.
Concluo aqui, para ir exercitar-me ao ginásio da esperança.
Manuel Morujão, sj