Estamos em cheio no Campeonato do Mundo de Futebol. Em múltiplos países das mais diferentes regiões geográficas e culturas, o futebol tem-se afirmado progressivamente como o desporto-rei. E agora contemplamos as seleções princesas, entre as quais Portugal, tentando demostrar o seu real valor.
O título desta nota é uma provocação, pois parece que futebol não tem nada a ver com santidade. E é fácil recordarmo-nos de casos de corrupção, de amor mais ao dinheiro ou ao lugar do que entrega à equipa que se representa e honrar os ideais desportivos.
Felizmente também há dirigentes, treinadores e jogadores que assumem o seu papel como uma missão de serviço. Também um campo de futebol é um lugar certo para praticar a virtude e, para os que se orientam por Deus, crescer em santidade. O Papa Francisco assim nos esclarece na sua recente Exortação Apostólica Alegrai-vos e exultai: «Esta santidade, a que o Senhor te chama, irá crescendo com pequenos gestos. Por exemplo, uma senhora vai ao mercado fazer as compras, encontra uma vizinha, começam a falar e surgem as críticas. Mas esta mulher diz para consigo: Não! Não falarei mal de ninguém. Isto é um passo rumo à santidade. Depois, em casa, o seu filho reclama a atenção dela para falar das suas fantasias e ela, embora cansada, senta-se ao seu lado e escuta com paciência e carinho. Trata-se de outra oferta que santifica. Ou então atravessa um momento de angústia, mas lembra-se do amor da Virgem Maria, pega no terço e reza com fé. Este é outro caminho de santidade. Noutra ocasião, segue pela estrada fora, encontra um pobre e detém-se a conversar carinhosamente com ele. É mais um passo» (n. 16).
São incontáveis as ocasiões que há no desporto, como praticantes ou assistentes, de dar passos no caminho da santidade, como por exemplo: conviver amistosamente com os adversários, não ser provocador e não responder a provocações, confortar ou pelo menos não humilhar quem perde, cumprir as regras do jogo e das boas relações, ser promotor da sã convivência por palavras e obras No campo do jogo há sempre ocasião de semear o trigo do fair play, da cortesia, da fraternidade, da festa. Para tal é preciso arrancar as ervas daninhas da conflitualidade, dos complexos de superioridade, da usura e da ganância, do querer ganhar a qualquer preço.
Sabendo que nem tudo é trigo limpo no campo da bola, quero expressar este louvor orante do mundo do futebol, ao jeito de S. Francisco de Assis:
Louvado sejas, meu Senhor criador da Terra redonda, pela invenção deste desporto centrado numa simples bola, qual mini-planeta bonsai, que todos procuram fazer girar com arte e beleza.
Louvado sejas, pelo engenho dos treinadores arquitetando táticas que até possibilitam aos que são mais fracos alcançar vitórias, e que exercitam os seus jogadores para competir com adversários mas nunca lutar contra inimigos.
Louvado sejas pelos jogadores que brilham como estrelas nos estádios, com arte e com alma, ajudados pelos que, sem brilhar, dão o melhor de si mesmos para que o desporto ganhe festivamente.
Louvado sejas pelo irmão futebol, que nos diverte e entusiasma, e pela irmã equipa que nos ensina fraternidade solidária, já que sem os outros não somos ninguém.
Louvado sejas pelas fintas e dribles inteligentes, pelas acelerações vertiginosas, pelos saltos e pontapés acrobáticos, tudo em jogo limpo, sem raivas nem vinganças.
Louvado sejas pelas massas associativas e pelos que vão aos estádios para apoiar a arte do jogo, empolgar a sua equipa e fazer festa com todos.
Louvado sejas pelos gestos de fraternidade gratuita, quando um jogador levanta o adversário prostrado no chão, os treinadores rivais se abraçam e os colegas celebram um golo no qual não tiveram algum mérito.
Louvado sejas pelas equipas de arbitragem, juízes que têm de decidir questões importantes e complexas em centésimas de segundo, procurando que a vitória seja da verdade desportiva.
Louvado sejas quando a nossa equipa ganha, mesmo com pouco mérito. E louvado sejas também quando são os outros a ganhar, oferecendo-nos a ocasião de darmos a lição de perder bem, com grandeza de alma.
Louvado sejas, meu Senhor, pelas tecnologias que nos permitem estar presentes em tantas partes do mundo, partilhando a beleza e as emoções desportivas, como se tivéssemos arranjado lugar no camarote presidencial.
Concluindo, faço minhas as palavras do Papa Francisco, que foi praticante e é adepto do desporto-rei, no dia anterior à abertura do presente Campeonato do Mundo: «Desejo enviar a minha cordial saudação aos jogadores e aos organizadores, assim como também aos que seguirão, através dos meios de comunicação social, este evento que ultrapassa todas as fronteiras. Que esta importante manifestação desportiva se possa tornar uma ocasião de encontro, de diálogo e de fraternidade entre culturas e religiões diferentes, favorecendo a solidariedade e a paz entre as nações».
Manuel Morujão, sj
Foto: Lusa