Ao sexto mês, finalmente, Ela disse o seu nome: “Sou a Senhora do Rosário”.
Em 13 de maio de 1917, a Lúcia, o Francisco e a Jacinta perguntavam-se pela identidade mais profunda daquela “Senhora mais brilhante que o sol”. Nunca duvidaram que fosse Nossa Senhora, pela beleza que Ela irradiava e pela alegria que sentiam nesses encontros dos dias 13. Mas será precisamente a oração do Rosário que os conduzirá ao conhecimento íntimo daquela que, no seu coração, guarda os mistérios de Cristo (cf. Lc 2, 19.51).
As três crianças já estavam habituadas a rezar o terço. Era uma recomendação dos seus pais. Contudo, “como todo o tempo lhes parecia pouco, para brincar” (Irmã Lúcia, Memórias I, p. 43), rezavam de forma “abreviada”, pronunciando apenas Ave-Maria e Pai-Nosso.
Desde logo mudam a sua forma de rezar e, com prontidão, acedem ao pedido de Nossa Senhora: “Quero que rezem o terço todos os dias”.
Doravante, as suas vidas passam a ser marcadas pelo ritmo da oração do Rosário. Buscavam a solidão do monte ou o silêncio da sua igreja. Rezavam em conjunto ou isoladamente, com os peregrinos que se iam aglomerando na Cova da Iria ou com os prisioneiros de Ourém.
Ao longo de seis meses escutam e respondem ao pedido insistente de Maria: “Rezem o terço todos os dias, para alcançarem a paz para o mundo e o fim da guerra” [13 de maio] (Idem, p. 174). Ou ainda, “Quero […] que continuem a rezar o terço todos os dias, em honra de Nossa Senhora do Rosário, para obter a paz do mundo e o fim da guerra, porque só Ela lhes poderá valer” [13 de julho] (Idem, p. 176). Assim, quando em outubro disse quem era – “Sou a Senhora do Rosário” –, já a conheciam bem.
Recordando a primeira aparição, Lúcia descreve: “estávamos tão perto, que ficávamos dentro da luz que a cercava ou que Ela espargia” (Idem, p. 173). Será precisamente a oração do Rosário que os aproximará cada vez mais dela e do mistério do seu coração.
João Paulo II, 85 anos mais tarde, retomando a fecunda e secular reflexão da Igreja sobre o Rosário (Rosarium Virginis Mariae, 2002), dará chaves hermenêuticas para aprofundar o percurso interior da vida dos Pastorinhos e propõe, com vigor, a redescoberta da importância desta oração para o crescimento interior dos cristãos, no seu caminho de identificação com Cristo (cf. Idem, n.º 15). Insiste no caráter cristológico e contemplativo do Rosário, explica que contemplar os mistérios do Rosário é contemplar o rosto de Cristo através do olhar de sua Mãe, aquela que melhor O conhece, aquela que guarda o mistério de Deus no seu Coração Imaculado.
Contudo, rezar o Rosário não é apenas contemplar o mistério da vida de Jesus com o olhar de Maria. É, também, contemplar o mistério da nossa vida com o olhar de Jesus e de Maria. À medida que vamos rezando, mergulhamos no mistério do nosso quotidiano, com as suas alegrias e tristezas, no mistério de Jesus. Guardamos no Coração de Maria o mistério da nossa própria vida. Adquirimos uma certa capacidade espiritual para fazer uma leitura dos acontecimentos da nossa vida à luz da vida de Jesus. E isso funda a paz que vamos experimentando, num quotidiano onde os acontecimentos ganham um novo sentido e podem ser vividos como história de salvação.
Cem anos mais tarde, a história continua em devir. A Senhora do Rosário sai, agora, ao nosso encontro. Continua a propor o Rosário como escola de oração e de vida. Como oração que nos leva a acolhermos as preocupações do coração de Deus: a história da salvação, a paz no mundo. Continua em busca de homens e mulheres “segundo o seu coração”, que aceitem responder “Sim, queremos”, ainda que o “tempo pareça pouco”.
Ângela de Fátima Coelho
(in Mensageiro – julho 2017)