Como é que se reza a fragilidade? A minha e a dos outros?
Meu Senhor e meu Deus, creio firmemente que estás aqui, no meio destes corredores deste Hospital e que me vês, que me ouves. Muitas vezes eu não te consigo ver, apesar de te procurar silenciosamente no meio dos meus doentes e colegas. É como se fosses uma câmara oculta que nos observa, que nos acompanha em cada corredor. Permanece sempre no seu sítio a gravar. No início, sentimo-nos observados, contudo, com a rotina, esquecemo-nos que existem e que servem para nos protegerem e pedirmos ajuda perante o perigo. Porém, a grande diferença é que não são
apenas umas câmaras. És Tu, Jesus! É Deus que me olha em cada segundo, como um Pai, sempre fielmente presente. Chamas-me a olhar para «Câmaras ocultas e Vivas», e cada uma tem um rosto: doentes, familiares e profissionais deste hospital. Chamas-me a cuidar dos avós, pessoas mais frágeis da sociedade, como Tu fazias ao curar os leprosos e moribundos.
Encontrar-te no meio do sofrimento e da fragilidade humana é um grande mistério, é avassaladora a dimensão sobrenatural que atinge perante a dimensão humana, porque nos damos conta que somos pouca coisa. Este trabalho convida-me a acompanhar-te nas tuas jornadas, a ajudar-te a curar algumas fragilidades do corpo e da alma, a acompanhar-
te no caminho para a Cruz. E é no meio das contrariedades, dos sofrimentos, que me baixas a soberba de que posso levar as coisas para a frente sozinha. Ao tocar esta fragilidade, apercebo-me que és Tu que me procuras. Perante a humilhação, o meu coração move-se a dizer-te: «Senhor, Tu sabes tudo, Tu sabes que te amo!». E a consciência faz-me ver
que muitas vezes estou afogada na quantidade de coisas que tenho de fazer, deixo de «estar no que devo e estar no que faço». Porque estar no que devo implica o esquecimento próprio, ter o coração despojado das minhas preocupações, tarefas, solicitudes constantes que vão surgindo dentro e fora do hospital, dos scrolls reais da minha vida, dos meus cansaços, das minhas opiniões, em vez de estar a olhar para cada doente com esse olhar de compaixão, de caridade, de paciência, etc.
A pressão da sociedade impele-nos a sermos uma sociedade de descarte, como o Papa Francisco nos vai alertando. A verdade é que, no meio destes corredores, o «descarte dos mais frágeis» é tocado e a minha alma sente-se impotente para chegar a todas essas «Câmaras vivas». E Tu vais movendo este coração rebelde, dizendo: «Só mais um» e eu digo: Jesus, ajuda-me a cuidar de mais um, e repete-se a cena, uma, duas… cinquenta vezes. E este trabalho tão humano, Tu fazes que se torne divino. Tu diariamente mostras que o sofrimento pode ser um meio de união e identificação contigo na cruz e que é uma oportunidade para crescer. Ajuda-me a abraçar as pequenas cruzes, os desafios da vida com fé e coragem, lutando por confiar na tua graça. Ao olhar para ti, penso como viveste em paz no meio de tanta dor e sofrimento, mantendo um olhar de
esperança e confiança. Ensinas-me que, com a graça de Deus, podemos acompanhar cada doente. Este é o nosso dever de enfermeiros, o cuidar, o tocar, o consolar, o curar, o acompanhar do primeiro até ao último suspiro… E é mesmo nestes momentos que te fazes ouvir com mais força, no meio dos meus sofrimentos e dos meus silêncios. Um silêncio que move o meu coração.
Move-me ao ouvir estas «Câmaras ocultas vivas» a dizer: «Enfermeira, tenho sede!». Temos a sorte de te podermos tocar, limpar o teu rosto, como fez aquela mulher, mas precisamos de lembretes interiores. «A Jesus basta-lhe um sorriso, uma palavra, um gesto, um pouco de amor». E tal como Jesus, muitos doentes são «desprezados, rejeitados, menosprezados, considerados em nada», apenas um número de uma cama ou processo clínico e apenas posso, muitas vezes, oferecer-te uma medicação, um tratamento às tuas feridas, um copo de água, pedir o atendimento sacerdotal, uma mão… mas é tão pouco. E o dar-te de beber, através de cada doente, faz com que me sinta mais próxima de ti.
Mariana Guimarães
(In Mensageiro do Coração de Jesus, julho de 2024)