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Em Defesa dos/as Abandonados/as

Não resisti a escrever esta nota sobre os grandes “Abandonados” da nossa sociedade, apesar de os tempos pascais, agora terminados com a Solenidade do Pentecostes, aconselharem a alegria e a esperança. Não me refiro, evidentemente, aos cães e gatos que estes já têm bons defensores, mas aos nossos idosos “abandonados”, quer na urgência de um hospital, quer numa casa de saúde, ou simplesmente num quarto desleixado onde à solidão que “magoa” se junta o abandono que “mata”.

“A velhota nunca mais morre” foi a gota de água que fez entornar o copo da minha indignação. Eu conto. A senhora vivia relativamente bem, na sua casinha relativamente boa e com a reforma suficiente para aguardar tranquilamente a hora em que Deus a quisesse vir chamar. Casara, trabalhara e amealhara um “pé de meia” para a sua velhice. O marido já partira para a Casa do Pai; na sua vida ficaram Deus, algumas amigas que lhe faziam companhia e uma filha que por sua vez casara e vivia nas proximidades. Não era rica, também não era pobre, apenas vivia só e sozinha. A filha e respetivo marido visitavam-na de vez em quando para saberem como ela estava, mas sempre pedinchando qualquer coisa, quer porque a vida estava cara, quer porque precisavam de comprar mais isto e mais aquilo. E de uma vez iam 100 euros, da outra mais 100 euros, da outra mais 100 euros, e por aí adiante. E a senhora lá ficava entretida, ora em oração com Deus, ora falando dos tempos antigos com as amigas, matando solidões mútuas.

Até que um dia, através de uma porta deixada irrefletidamente entreaberta, ouve do genro para a filha a frase que nunca esperou ouvir na sua vida nem devia ter ouvido: “O raio da velhota nunca mais morre”. Frase assassina que a matou na sua dignidade humana e, sobretudo, no amor gerado nas suas entranhas maternas. Se só e sozinha vivia, mais só e sozinha ficou; se abandonada se sentia, mais abandonada ficava. “Nunca mais morre!”, desabafa o genro. Acaba de morrer, digo eu. Foi assassinada.

Percorro mentalmente os “Dez Mandamentos da Lei de Deus” aprendidos na catequese, penso no “Honra pai e mãe”, ouço o “Não matarás” tão esquecido, o “Não cobices a mulher do próximo” com tantas punhaladas nas costas e facadas no matrimónio, o “Não roubes” com tanta fraude e corrupção generalizada, o “Não levantes falsos testemunhos” matando a reputação e o caráter de tanta gente inocente, e termino no “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo” que o evangelista S. João traduziu em palavras de Jesus no “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”.

E fico a sonhar um mundo melhor que evite casos semelhantes ao narrado nesta nota. Mas parece que a sociedade não quer ir por aí. Prefere outros caminhos; prefere andar entretida nas leis do aborto e no cinismo do “bem morrer” (eutanásia), como é o caso presente no nosso parlamento.

Cada vez me convenço mais da importância dos Mandamentos da Lei de Deus na vida das pessoas, e da sua prática como solução para muitos dos nossos problemas em sociedade. Mas isso seria regredir aos tempos de Moisés. E nós somos progressistas. Que Deus nos dê o seu perdão, se é que temos o arrependimento necessário para o alcançar. E se compadeça de nós. Porque de juízo e bom senso já pouco sobra.

 

A. da Costa Silva, sj

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