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Divagando sobre uma leitura apressada

Refiro-me à Carta Encíclica “Louvado Sejas” do Papa Francisco sobre o cuidado a ter com o Planeta, “nossa casa comum”, tão maltratada e tão pouco cuidada. Retenho algumas ideias que ficaram ressoando em mim ao longo da sua leitura e que cito livremente: “Uns com tanto, outros com tão pouco”´, “homens infelizes e sós”, “o ser humano está cada vez mais ansioso, vazio e solitário”; “O mundo cresceu em tecnologia, mas não cresceu em responsabilidade, valores e em consciência”; “É necessário voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos”; “Vivemos há muito tempo em degradação moral, baldando-nos à ética, à bondade, à fé, à honestidade”; “Chegou o momento de reconhecer que esta alegre superficialidade de pouco nos serviu”.

Fiquei com um misto de sentimentos contraditórios. O pensamento fugiu para o relato da Criação, para o Jardim do Éden, para a satisfação de Deus (“E viu que era bom/belo”) e o seu gesto de entrega desse “jardim” ao Homem acabado, também ele, de ser criado. Tudo abençoado. De seguida, e por contraste, passei por Adão e Eva atirando culpas e desculpas um ao outro; passei pelo episódio de Caím matando seu irmão Abel (sublinho “seu irmão” Abel); fiquei triste com a corrupção moral que levou ao Dilúvio, para terminar no projecto, felizmente não conseguido, da Torre de Babel, onde os homens, julgando que prescindindo de Deus, conseguiriam construir a cidade dos homens, apoderando-se dela como reis e senhores.

Dou um salto no tempo. A humanidade atingiu a sua maioridade, “decretaram” os Racionalistas e Positivistas do séc. XIX, a que aparentemente a tecnologia dá razão e concordância. Deus para quê?, perguntam. Freud deita achas na fogueira ao tentar explicar que Deus não é mais que uma projecção do psiquismo humano, embora útil, acrescentará Jung, seu discípulo. E assim se foi retirando Deus da história da Criação e se foi perdendo o olhar de criança (“Se não vos tornardes crianças…”), levando Edgar Morin, em meados do século passado, a escrever que a humanidade “perdeu o olhar contemplativo” (numa floresta vê apenas abate, dinheiro e lucro) e espiritual, acrescenta o Papa Francisco na sua encíclica. O homem já não consegue ver o planeta terra como “dom” e “mimo” de Deus, planeta onde Deus o colocou com a missão de “guardar e cultivar” (Gen 2, 15) e nele se realizar juntamente com todos os outros homens, como filhos deste Senhor, Criador e Pai.

Paro no n. 160 da encíclica e re-paro na pergunta “Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?”, pergunta sustentada na descrição do número seguinte (n. 161): “As previsões catastróficas já não se podem olhar com desprezo e ironia. Às próximas gerações, poderíamos deixar demasiadas ruínas, desertos e lixos. O ritmo de consumo, desperdício e alterações do meio ambiente superou de tal maneira as possibilidades do Planeta que o estilo de vida, por ser insustentável, só pode desembocar em catástrofes, como aliás já está acontecendo periodicamente em várias regiões”. Quem sofre as consequências? No imediato são sempre os elos mais fracos (os terceiros mundos espoliados e os pobres) e no longo prazo a humanidade inteira, se não arrepiar caminho.

A encíclica pretende abrir um espaço de reflexão e diálogo tanto entre crentes como não crentes. Leitura aconselhada e oportuna para tempo de férias e de paragem. Vale a pena responder à pergunta formulada pelo Papa: Que mundo queremos de facto entregar às gerações futuras?

 

A. da Costa Silva, sj

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