É claro que descansar é um direito. Uma pessoa não é uma máquina de trabalho. Aliás, como recorda S. João Paulo II, numa sua Encíclica, «o trabalho é para o homem e não o homem para o trabalho» (LE 6). Só assim o trabalho pode ser qualificado como humano, como um exercício de humanização.
O Concílio Vaticano II, que continua a ser a bússola que indica o norte para a Igreja atual, sublinha com clareza: «É preciso adaptar todo o processo de trabalho produtivo às necessidades da pessoa e às diferentes formas de vida; primeiro que tudo da vida doméstica, especialmente no que se refere às mães, e tendo sempre em conta o sexo e a idade. Proporcione-se, além disso, aos trabalhadores a possibilidade de desenvolver, na execução do próprio trabalho, as suas qualidades e personalidade. Ao mesmo tempo que aplicam responsavelmente a esta execução o seu tempo e forças, gozem, porém, todos de suficiente descanso e tempo livre para atender à vida familiar, cultural, social e religiosa» (GS 67).
Mas o descanso é muito mais que um direito. É também um dever. O descanso é uma questão de justiça social, de justiça familiar, comunitária. Quem vive num ritmo excessivamente acelerado de vida, por vezes estonteante, sem tempo para exercitar o dever de parar, de descansar, não está apenas a prejudicar-se a si mesmo, mas é fonte de nervosismo, impaciência e cansaço à sua volta. É como um carro sem travões, que só para e estaciona quando se esbarra contra um obstáculo.
Luís de Camões assim adverte num verso luminoso: «Não te canses que me cansas». Descansar não é abandonar-se à preguiça ociosa, ao não fazer nada egocêntrico. Descansar deve ser um exercício de caridade prática, de altruísmo amigo. Os outros precisam de mim descansado, relaxado, pacificado. Descansar é um verbo comunitário, um serviço assistencial, um presente de paz que ofereço a quem convive comigo.
Não é verdade que contactar com certas pessoas, em determinadas situações de cansaço, nos enerva, complica e esgota? Por outro lado, é um tempo ferial, uma prática de descanso pacificador encontrar pessoas que nos transmitem o oxigénio da paz e do repouso. Porque não considerar o descanso como um serviço social, um ministério apostólico?
O descanso é mais que um anexo da nossa agenda de afazeres, um pormenor insignificante da nossa personalidade. A arte de descansar define-nos. «Diz-me como descansas e eu te direi quem és», assim parafraseio o conhecido ditado popular. O descanso não é uma fórmula mágica de relaxação dos músculos e nervos, uma receita automática de um são ritmo biológico. É sobretudo um modo construtivo de encarar a vida, um clima de paz interior que se cultiva, um coração disposto a amar aconteça o que acontecer. O descanso que é mera evasão de nós próprios não leva a lado nenhum, é um beco sem saída. Assim, afirma um autor: «Quando não encontramos o repouso em nós próprios, é inútil procurá-lo noutro lado» (La Rochefoucauld). Advertindo que só em nós está a chave da solução, assim nota Fernando Pessoa: «É em nós que é tudo… Ali, ali, a vida é jovem e o amor sorri».
Não obriguemos ninguém a pagar a fatura do nosso cansaço enervante. Ofereçamos a todos o cheque do nosso descanso pacificador. Descansar é um dever caridoso, altruísta.
Manuel Morujão, sj