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Coisas que a minha avó me ensinou

Há um ano, acompanhei o corpo da minha avó até ao cemitério. Estava um dia quente, invulgar para outubro, se pensarmos nos típicos outonos que vivíamos há dez anos. Nunca mais me vou esquecer desse dia. Foi uma perda gigante, um golpe duro na unidade da família.

Sempre vi os meus avós juntos, raras eram as situações em que se separavam fisicamente um do outro. Essa constância foi sempre uma garantia, uma espécie de fio condutor num trajeto familiar com os seus naturais altos e baixos.

Assustou-me a rapidez com que ela partiu. Vi na cara do meu avô que também ele ficou espantado (atrevo-me a dizer que até ficou um pouco zangado). Como foi possível ela ter morrido assim, de uma hora para a outra?

O choque trouxe a tristeza e a tristeza um silêncio vazio. Mas nesse silêncio, recordei a voz da minha avó, o seu olhar, a sua mão pesada e treinada, que me mostrava como elevar a massa do pão de ló da cor da gema, amarela e húmida, até à cor da casca de ovo, branca e seca. Reparei nas expressões que passei a usar, frases que me vinham à cabeça ditas por ela, gestos e posturas. Como se o meu corpo não se quisesse esquecer, como se o meu cérebro se agarrasse a tudo o que lhe dizia respeito para a colocar no meu pensamento.

Penso que compreendi porquê. Hoje, temo mais pela vida do meu avô, penso mais nele, preocupo-me mais em estar com ele, tal como todos os seus filhos e netos. Neste fervilhar em volta do meu avô, envolvidos no seu cuidado, vi a vida dela consagrada em nós, seus descendentes. Vi-nos cumprir o nosso propósito, tal como a minha avó fez toda a vida: cuidar dos mais frágeis e dos mais velhos.

“Cuidar dos mais frágeis e dos mais velhos” aplica-se não só às pessoas idosas, mas também à calamidade que se abateu sobre a floresta portuguesa, descuidada pelas leis, maltratada pelos seus cuidadores. Não nos podemos esquecer que a nossa passagem na Terra é curta e que devemos criar condições para que as gerações futuras vivam num planeta saudável. Sem árvores, sem animais, sem recursos naturais, não seremos mais Portugal, seremos um amontoado de cinzas à beira-mar, como se fôssemos uma nação em guerra civil, a matar os mais frágeis e indefesos. Paremos para sentir a dor da perda, mas não esqueçamos o nosso dever de cuidar do(s) que nos rodeia(m).

 

Betânia Ribeiro

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