A palavra «carinhoterapia» é nova. Tem por autor o nosso atual Pastor da Igreja universal. Mas a realidade que significa tem milénios de história. Os profetas bíblicos falam de Deus como esse Alguém que nos ama com «amor eterno» (Jer 31, 3), que já nos amava mesmo antes de termos sido concebidos no seio de nossa mãe. O amor que Deus nos oferece não é uma improvisação pelo dia do nosso nascimento, pela receção do batismo, ou apenas referente uma data importante da nossa vida. É um amor total e contínuo sem data de começo nem prazo de validade. É efetivamente eterno, tanto em relação ao passado como ao futuro.
No Novo Testamento, S. João assim nos apresenta o Senhor do céu e da terra: «Deus é amor» (1 Jo 4, 8.16). A história de salvação, ontem e hoje, comunica-nos um Deus que nos ama sem medida, que vive a oferecer-nos o seu imenso amor: «Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna. De facto, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele» (Jo 3, 16-17).
Todos devemos transmitir a imagem de um Deus salvador amorosamente carinhoso. Francisco, Bispo de Roma e Pastor da Igreja universal, tem-nos dado claras lições de representar Deus amor, «rico em misericórdia» (Ef 2, 4). A convocação de toda a Igreja para a celebração do Ano Jubilar da Misericórdia é disso uma confirmação solene. Na bula «O Rosto da Misericórdia», Francisco recorda que «A primeira verdade da Igreja é o amor de Cristo. E, deste amor que vai até ao perdão e ao dom de si mesmo, a Igreja faz-se serva e mediadora junto dos homens. Por isso, onde a Igreja estiver presente, aí deve ser evidente a misericórdia do Pai. Nas nossas paróquias, nas comunidades, nas associações e nos movimentos – em suma, onde houver cristãos –, qualquer pessoa deve poder encontrar um oásis de misericórdia» (n. 12).
Quero agora referir-me apenas a um episódio da sua recente viagem apostólica ao México.
Visitando um hospital pediátrico na Cidade do México, Francisco assim se expressou: «Quero pedir a Deus que vos abençoe, que vos acompanhe e aos vossos familiares, a todas as pessoas que trabalham nesta casa e procuram que estes sorrisos continuem a crescer cada dia; a todas as pessoas que, não só com medicamentos mas sobretudo com a carinhoterapia, ajudam para que este tempo seja vivido com maior alegria». Esta é a terapia dos afetos, ou tratamento de ternura, que todos precisamos de praticar na família e no trabalho, nas paróquias e comunidades, na vida social e política. E Francisco foi distribuindo gestos práticos desta terapia do acolhimento amigo, abraçando e deixando-se abraçar por crianças lá internadas. Aos médicos, funcionários e benfeitores apresentou-se familiarmente como «avô», uma pessoa de família mais idosa, e não com a pompa e circunstância dos títulos de «Papa» e «Sumo Pontífice».
Os psicólogos recordam que «o afetivo é efetivo». Ou seja, as palavras e gestos que transmitem carinho e amizade são portadoras de vida nova, de dinamismo que tem consequências práticas. O que verdadeiramente nos move não são as ideias, mas os afetos. Também a evangelização, mais do que pelas formulações teoricamente perfeitas, passa por relações afetuosas de proximidade e acolhimento, de paz e bem. «Vede como eles se amam», assim refere Tertuliano o comentário que faziam sobre a vida dos cristãos das primeiras comunidades. E o próprio Cristo indicou que o fundamental distintivo ou emblema dos seus seguidores deveria ser o amor mútuo: «Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros (Jo 13, 35). Pelo amor fraterno, pela «carinhoterapia» provamos que é autêntico o nosso Cristianismo.
Manuel Morujão, sj